Vidas negras saudáveis importam!

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Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra (27/10) – O impacto da exploração do tabaco sobre a vida da população negra está posto ao menos desde a apropriação do produto pelos regimes coloniais – como moeda para os traficantes de africanos e nas plantations –, até entrar definitivamente nos sistemas industrial e pós-industrial. 

A população escravizada, por exemplo, era incentivada ao consumo do produto, atendendo à necessidade dos escravocratas de encobrir os efeitos da tristeza e dos estresses causados pela desumanização, e assim intensificar a exploração. 

Após a Segunda Grande Guerra, o já industrializado cigarro se consolida no imaginário, com o apoio da indústria cinematográfica, como item de poder e liberdade – o qual os povos marginalizados não podem usufruir, mas devem desejar. 

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Um produto que forja alívio momentâneo enquanto cria dependência e envenena lentamente cai como uma luva no contexto de precarização do trabalho e de condições de vida do pós-Abolição até hoje. Nas prisões, majoritariamente ocupadas por pessoas negras, estão ainda hoje entre as principais moedas de trocas. 

A indústria do tabaco adota estratégias específicas nas comunidades negras dos Estados Unidos, especialmente com produtos mentolados, denuncia o relatório do The Center for Black Health e da Tobacco-Free Kids. Já no Brasil, com outro contexto sociocultural, ainda é necessário avançar na abordagem sobre o tabagismo e a saúde da população negra brasileira, como forma inclusive de obter mais êxito nas políticas públicas vigentes.

A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 mostra prevalência de tabagismo ligeiramente maior entre pretos e pardos (13,7% e 13,5%) do que em brancos (11,8%), segundo as categorias do IBGE. Pesquisadores (Malta et al, 2021) observam fatores como a baixa condição socioeconômica em que a maioria da população negra se encontra (majoritariamente empobrecida e dependente do SUS), menor acesso às práticas de promoção de saúde e maior exposição ao fumo no trabalho (os fumantes passivos são, na maioria, homens, jovens, negros, de baixa escolaridade e de baixa renda). 

O tabagismo agrava as iniquidades raciais em saúde

A população negra está mais exposta à influência, à dependência e ao uso nocivo de substâncias tóxicas, mas tem menos recursos e acesso à educação em saúde, é menos assistida para cuidados e tratamentos adequados e ainda é mais exposta à violência com base na criminalização das substâncias. 

Os fatos mostram que a indústria do tabaco (e também das bebidas alcoólicas) é, no mínimo, aliada à produção de desigualdades e multiplicadora de vulnerabilidades. Basta checar nas manchetes as diversas denúncias de trabalho análogo a escravidão contemporânea e a relação predatória entre as empresas e os pequenos agricultores e seus familiares

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O setor lucra enquanto adoecemos e morremos, ao passo que contribui para o empobrecimento das famílias, além dos custos gerados ao SUS e ao Estado (que chegam a R$92 bilhões só com tratamentos de doenças e gastos previdenciários).

Neste sentido, as políticas de controle do tabaco podem contribuir na redução das desigualdades. Para isso, porém, é preciso que considerem, da formulação à implementação, as diversidades étnico-culturais. Ou seja, a partir da não universalização das experiências e do enfrentamento ao racismo nas várias etapas do processo de saúde-doença: mortalidade, tratamento, diagnóstico, instalação da dependência, acesso e/ou à experimentação, contexto e, enfim, o ambiente. 

Tais posicionamentos, em via de mão dupla, são qualificadores fundamentais para atribuir mais eficácia à política pública de controle do tabaco e para que esta não opere no sentido oposto, de intensificar as desigualdades. O confronto ao racismo como determinação social da saúde é também fundamental para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis.

Não queremos apenas viver, queremos viver e bem-viver!

O texto acima é um resumo do artigo de título ‘A indústria do tabaco como mais um gatilho apontado para corpos negros’ produzido para o livro ‘Dependência química: racismo, gênero, determinantes sociais e direitos humanos’, organizado pela Associação Brasileira de Estudos em Álcool e outras Drogas – ABEAD (Appris Editora, 2023), resultado de um webinário de mesmo tema em 2022.

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