Falta pouco mais de um mês para a 19.ª reunião de cúpula do G20, que acontece no Rio de Janeiro, em novembro, e vai reunir representantes dos 20 países com as maiores economias do mundo. E para contribuir com os debates e instar os governantes para que atuem pela saúde e justiça social, aconteceu o seminário virtual” “Reformulando a arquitetura de financiamento para acabar com a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição em todas as suas formas”, no dia 26 de setembro, como parte dos debates do Civil 20, o C20 – grupo de engajamento que garante que os líderes mundiais do G20 escutem as recomendações e demandas da sociedade civil organizada. O evento está disponível na íntegra no Youtube em português (clique aqui e confira), e também a tradução simultânea em inglês.
O seminário foi uma realização da ACT Promoção da Saúde, Ação da Cidadania e WWF Brasil, em parceria com o Inesc e Comissão Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional (ICRICT), e contou com um grupo qualificadíssimo de debatedores, integrantes do governo brasileiro e da sociedade civil. Confira abaixo falas de destaque de cada um dos convidados e convidadas – que trataram de temas como arquitetura financeira global, economia justa, dívidas dos países, desigualdade global, o lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, os benefícios fiscais das corporações e super-ricos, sistema tributário brasileiro e a reforma tributária, entre outros assuntos.
“Hoje nós temos quase 41% da população global vivendo em países que usam mais os seus recursos para pagar juros da dívida do que, por exemplo, para investir em educação e saúde. Ao falar de investimentos para combater a fome, nem se fala, porque a situação é ainda pior. Então, não existe uma coincidência aleatória.” (Henrique Botelho Frota, ABONG / Instituto Pólis e presidente do C20 Brasil)
“O nosso sistema tributário foi instituído ali nos anos 60, numa conjuntura bastante diferente, e hoje a gente já sabe que ele definiu perdedores e ganhadores. Por isso a gente precisa olhar o nosso sistema tributário como um instrumento político, que expressa também um projeto de país, um contrato social, que define quem vai pagar mais, quem vai pagar menos e quais são os setores que nós queremos, de fato, privilegiar, beneficiar. E nessa discussão, para nós, aqui no Ministério do Desenvolvimento, do Agrário e da Cultura Familiar, a grande questão é como nós vamos fazer um sistema tributário que contribua para a construção do sistema alimentar mais saudável, mais sustentável e inclusivo, que vá pensando da produção até o consumo.”(Fernanda Machiaveli Mourão, secretária executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário)
“Os números atuais da fome, por exemplo, falam de 780 milhões de pessoas que passam fome todos os dias. O Brasil propôs então essa iniciativa da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza como uma forma de unir governos, instituições financeiras, organizações filantrópicas e da sociedade civil em torno dessa missão de acelerar a erradicação da fome e da pobreza extrema. A Aliança deve ser uma plataforma de cooperação para ampliar em escala global as políticas públicas que já se provaram eficazes.” (Saulo Ceolin, Coordenador-Geral de Segurança Alimentar e Nutricional no Ministério das Relações Exteriores do Brasil)
“Um dos pontos importantes que o documento da Aliança reconhece é que o investimento em políticas de combate à pobreza multidimensional e o investimento em sistemas alimentares que produzam comida saudável e diversificada para as pessoas enfrenta problemas de saúde pública. E ao enfrentarmos os problemas de saúde pública, nós também podemos reduzir a pressão sobre os orçamentos dos países e ao mesmo tempo tornar a força de trabalho das pessoas mais disponível. As pessoas vão adoecer menos e simplesmente por adoecerem menos, elas têm uma condição melhor de trabalhar e de assumir gastos decorrentes da sua má alimentação” (Thiago Lima, do Ministério da Fazenda e membro da Trilha das Finanças do G20)
“Não é que não vamos atingir a ODS-1 (de combate à fome e pobreza), mas nós, na verdade, estamos caminhando na direção oposta. Então, claramente, precisamos de grandes reformas nisso, precisamos de maior regulação dos mercados de commodities e do mercado futuro das commodities, precisamos de estratégias internacionais e reservas de grãos internacionais, nacionais e locais também. Nós precisamos de mais coordenação com relação a influenciar e permitir a tributação de lucros em excesso, o que reduziria o incentivo para eles aumentarem o preço, só para conseguir maiores lucros, e precisamos também da reforma tributária” (Jayati Gosh, co-presidente da Comissão Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional)
“O risco da dieta é um risco para as doenças não transmissíveis e é responsável por mais efeitos das mortes globais, e temos cada vez mais evidências ligando o consumo de produtos ultraprocessados, principalmente com essas doenças, obesidade, doenças cardiovasculares, hipertensão, câncer e mortalidade prematura, e a disponibilidade desses produtos está aumentando também, principalmente nos países de média e baixa renda como o Brasil. E conforme o preço desses produtos diminui com relação aos produtos não processados e naturais, em várias situações isso se torna uma preocupação para a saúde e equidade e os impostos podem ajudar a prevenir isso.” (Courtney Ivins, Banco Mundial)
“No que se refere à evasão e elisão fiscal, a Tax Justice Network é uma rede global que estuda tributação, e ela mostra que a cada ano os países do mundo perdem quase 500 bilhões, quase meio trilhão de dólares, em evasão, em abuso fiscal, tanto de empresas quanto de pessoas muito ricas. Então, já são 480 bilhões por ano que poderiam ser arrecadados pelos países e que não são, porque empresas e pessoas muito ricas constroem mecanismos legais e ilegais para evadir isso. E claro que a maior parte desses recursos evadidos estão nos países do norte global, porque afinal de contas, é onde está a riqueza econômica – mas em certos países em desenvolvimento, essa evasão e elisão fiscal equivale a metade dos seus orçamentos de saúde, então, é muita coisa.” (Nathalie Beghin, do Inesc)
“A gente realmente precisa construir parcerias com o setor privado, com o sistema financeiro internacional. Nesse contexto, liderado pelo Ministério da Fazenda, o governo federal está construindo a taxonomia sustentável brasileira, um regramento, um conjunto de critérios para diversos setores que diz, dita e normatiza o que é um investimento verde no Brasil. Essa iniciativa já foi feita na Europa, existe a taxonomia europeia, em outros países da América Latina, como no México, na Colômbia e agora a gente está em processo de construir a nossa, pra que ela seja realmente verde e também traga um componente de justiça e inclusão social dentro dos investimentos necessários no Brasil.” (Fabrício de Campos,WWF Brasil)
“Ao arrecadar imposto de produtos nocivos à saúde, você consegue aumentar os orçamentos de saúde de uma forma muito significativa E o Brasil, embora tenha um sistema universal de saúde, o nosso SUS, que deve ser muito defendido com unhas e dentes, ele é um sistema subfinanciado. Então imagine o que poderíamos fazer financiando adequadamente o nosso sistema único de saúde, que foi em larga medida o que conseguiu segurar muito da crise do momento político, inclusive durante a pandemia da COVID. Se não fosse o nosso SUS, estaríamos muito piores”. (Paula Johns, diretora executiva da ACT Promoção da Saúde)