Só no ano de 2018, estima-se que entre 21 e 34 bilhões de garrafas plásticas de bebidas tenham chegado aos oceanos do mundo – o equivalente a até 1,1 milhão de toneladas métricas de resíduos de garrafas plásticas. Sim, somente em um ano.
Com apoio de voluntários espalhados por países dos cinco continentes, a organização internacional Break Free from Plastic realiza auditorias anuais buscando responder à seguinte pergunta: quais as indústrias responsáveis pela poluição plástica no mundo? No ano passado, a organização publicou um relatório reunindo dados coletados em cinco anos, entre 2018 e 2022. O resultado? Zero surpresa, porque todos os anos, exatamente as mesmas empresas de bens de consumo dominam a lista. A Coca-Cola é a maior responsável pela poluição plástica no mundo, seguida da Pepsico, Nestlé, Unilever e Mondelez, todas indústrias que produzem produtos ultraprocessados.
Bitucas: pequenas em tamanho, enormes em estrago
Garrafas e embalagens plásticas são facilmente identificadas como agentes poluidores, até por seu tamanho. Quem nunca viu uma garrafa impedindo a passagem da água em um bueiro ou uma embalagem boiando no mar? Mas há outro agente altamente poluidor e que costuma passar despercebido: os filtros de cigarro, também conhecidos como bitucas e guimbas.
Criados com o argumento de filtrarem as centenas de substâncias tóxicas encontradas no cigarro e, assim, protegerem a saúde da população, os filtros são uma grande mentira da indústria. Eles não só não protegem a saúde como têm enorme impacto ambiental e aumentam significativamente a quantidade de plástico na natureza.
As bitucas tornaram-se o principal tipo de lixo individual gerado pelos seres humanos. Os 5,5 trilhões de cigarros produzidos por ano em todo o mundo geram 4,5 trilhões de guimbas descartadas de forma inadequada. Um filtro de cigarro tem mais de sete mil componentes e pode contaminar mil litros de água. Os dados estão em estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, com o apoio do Instituto para o Controle Global do Tabaco – IGTC, da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, do Instituto Nacional do Câncer e da ACT Promoção da Saúde.
Em dezembro passado, a ACT realizou uma ação de conscientização sobre os danos ambientais e à saúde causados pelas guimbas de cigarros. O evento reuniu voluntários que, em 30 minutos, retiraram 6.808 bitucas das areias do Arpoador, Rio de Janeiro, o que equivale a 226 guimbas por minuto.
Com plástico no corpo
Um dos efeitos da poluição plástica é a ingestão de microplásticos por animais e humanos. É que os plásticos podem levar centenas de anos para se degradar. A exposição à luz pode causar rachaduras nos plásticos, que se quebram em partículas menores, levando à criação de microplásticos – pequenas partículas que podem impactar negativamente a vida marinha e a segurança alimentar. Cada vez mais pesquisas vêm encontrando microplásticos em todo o sistema alimentar, inclusive nas vias digestivas de vários animais marinhos. Ou seja: os humanos estão ingerindo microplásticos quando comem frutos do mar produzidos comercialmente, como peixes, mexilhões e crustáceos, por exemplo. E, no caso das bitucas, além do plástico, há ainda centenas de substâncias químicas e altamente contaminantes.
E o que deveria ser feito para evitar esse tsunami de plástico? A reciclagem já não é mais uma saída viável, alerta o relatório da ONU citado no começo deste texto. As embalagens plásticas biodegradáveis também representam “uma ameaça química semelhante aos plásticos convencionais”. É necessária a redução drástica da quantidade de plástico gerado. Além disso, é urgente a adoção de medidas circulares, que garantam o reuso das embalagens e a responsabilização das indústrias pelos resíduos que geram.
A questão é que os plásticos são muito baratos, mas a adoção de estratégias de reuso, não. “Todos os compromissos que as grandes empresas colocam nos seus discursos de ESG, como elas estão mudando, de que elas são parte da solução, é o contrário do que elas fazem na prática e isso já está evidenciado em uma série de relatórios”, apontou a diretora executiva da ACT, Paula Johns, em episódio do Podcast Ciência Suja. Ampliar a tributação do plástico poderia ser uma solução viável para diminuir a poluição plástica, mas as indústrias lutam veementemente contra esse tipo de medida.
Uma esperança é o Tratado do Plástico, em debate nas Nações Unidas. A exemplo do que ocorreu com o Tratado do Tabaco, os países discutem ações sustentáveis de alcance global. Este ano, estão previstas reuniões para tratar do tema. Com as soluções tecnológicas existentes, já é possível reduzir em 80% a poluição plástica até 2040, defendeu Victor Pinheiro, do PNUMA, em episódio do Ciência Suja.
Cristina Sena e Rosa Mattos