Fundação financiada pela Philip Morris muda de nome como estratégia de melhorar a reputação

Desenho de um homem com expressão de desagrado, cercado por ícones de críticas negativas, incluindo estrelas de baixa avaliação, ícones de polegar para baixo e emojis tristes.

A Fundação para um Mundo Livre de Fumaça (Foundation for a Smoke-Free World) anunciou, em maio, a mudança de nome em meio a intensas críticas e preocupações sobre seus laços com a gigante do tabaco Philip Morris International, única financiadora desde a sua criação em 2017. Rebatizada de Ação Global para o Fim do Tabagismo (Global Action to End Smoking), a alteração de nome não muda, no entanto, o histórico da fundação de proteger os interesses comerciais da indústria do tabaco.

Em 6 de junho, a Organização Mundial de Saúde publicou uma nota alertando sobre a mudança do nome da Fundação e reafirmando o seu posicionamento em relação à organização. “A OMS mantém a sua posição firme de que não fará parceria com esta organização e recomenda fortemente que os governos e a comunidade de saúde pública façam o mesmo”.

Criada há sete anos pela Philip Morris, a Fundação para um Mundo Livre de Fumaça (Foundation for a Smoke Free World), com sede em Nova York, se intitula como organização independente e sem fins lucrativos com objetivo de desenvolver pesquisas e fortalecer ações globais contra os impactos à saúde causados pelo tabagismo. A indústria do tabaco tem mirado na venda de dispositivos eletrônicos para fumar alegando que os novos produtos são danosos em comparação aos cigarros convencionais e como alternativa de redução de danos. Para convencer os tomadores de decisão para introduzir esses produtos nos mercados onde ainda são proibidos, a indústria financia pesquisadores, imprensa e organizações que prestam assistência a agricultores a fim de reabilitar a imagem da empresa, que se apresenta agora como parte da solução da epidemia do tabagismo.

É importante notar que a indústria do tabaco tem historicamente buscado estratégias para influenciar políticas públicas e moldar a opinião pública a seu favor, muitas vezes através do financiamento de organizações ou grupos que promovem suas agendas. A criação de organizações como a Ação Global para o Fim do Tabagismo pode ser vista como uma dessas estratégias.

Após o cancelamento do acordo de financiamento da PMI com a antiga Fundação em 2023, a organização tenta desvincular-se da indústria do tabaco e menciona em seu site que “não procura nem aceita financiamento de empresas que produzem tabaco ou produtos de nicotina não medicinais”.  Além de prometer não  mais receber qualquer financiamento de empresas de tabaco, a organização começou a distanciar-se de termos como “livre de fumo” devido à sua utilização por empresas de cigarros, incluindo a PMI.

De acordo com a investigação da Tobacco Tactics, as declarações fiscais da Fundação, até 2023, mostraram que esta permaneceu exclusivamente financiada pela PMI, que efetuou uma doação final de US$ 122,5 milhões à Fundação, além de um pagamento anual de US$ 17,5 milhões, pago em julho de 2023.

Outra mudança foi a contratação de Cliff Douglas, nomeado como CEO da Ação Global para o Fim do Tabagismo, em 2023. De acordo com Stat News, Cliff Douglas foi uma fonte importante para uma investigação da ABC News em 1994, que mostrou que as empresas de tabaco manipulam intencionalmente a nicotina em seus cigarros, denúncia que desencadeou o processo por difamação. Trinta anos depois, a nomeação de Cliff Douglas para a presidência da Ação Global para o Fim do Tabagismo é controversa, dada sua histórica conexão com a indústria do tabaco e o financiamento da fundação pela Philip Morris International. No universo da Fundação, não é incomum a contratação de profissionais com histórico no controle do tabaco para ocupar posições-chave.

Um estudo publicado na Frontiers in Communication, de pesquisadores do  Grupo de Pesquisa de Controle do Tabaco (TCRG) da Universidade de Bath, da Universidade do Colorado e da Universidade de Bristol, no final de março deste ano, concluiu que a indústria do tabaco ganhou confiança na ciência financiada pela PMI, fazendo-se passar por um apoiador e ocultando o seu envolvimento através de terceiros. A confiança geral na Fundação foi de 5,04 em 7. Depois que os participantes foram informados de que o Fundação é financiado pela indústria do tabaco, a classificação geral de confiança caiu para 4,77 em 7. Isto sugere que quando a pesquisa é financiada através de um grupo científico terceirizado, como a Fundação, as pessoas são mais propensas a confiar.

As mudanças da atual Ação Global para o Fim do Tabagismo demonstram o esforço desses grupos de convencer a opinião pública de que a indústria do tabaco não está mais envolvida, portanto a Ação Global é confiável. A estratégia de atuar atrás de grupos de fachada, cooptar pautas da saúde pública e manipular a ciência, com objetivo promover os seus interesses comerciais, é antiga e as organizações de saúde estão atentas e atuam para dar mais transparência ao público e desconstruir a disseminação de desinformação.

Anelize Moreira

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