Por Anelize Moreira
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu no dia 19 de abril, manter a proibição da fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda dos cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido e anunciou medidas para o combate aos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) no Brasil.
Em substituição da RDC 46/2009, foi publicada em Diário Oficial da União, a RDC 855/2024 que prevalece o entendimento da regulação previamente vigente, baseada em evidências científicas robustas que mostram os malefícios causados por esses produtos, experiências de outros países e alinhadas às recomendações da Organização Mundial da Saúde, mas com avanços importantes de expansão de campanhas informativas à população sobre os riscos destes produtos, bem como a definição de papéis de órgãos fiscalizadores, integração de órgãos governamentais, como Receita Federal e Polícia Federal, para ampliar o combate ao mercado ilícito de DEFs.
Como foi a votação?
Participaram da votação cinco diretores da Anvisa – a decisão foi unânime. Em seu voto a favor da proibição, o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, enfatizou as evidências do cenário regulatório internacional do cigarro eletrônico, manifestações da comunidade científica sobre os danos dos produtos fumígenos e análise das contribuições da consulta pública ao texto. Relator do processo, Barra Torres enfatizou uma orientação da OMS, publicada em 14 de dezembro do ano passado, que mostra que “o uso de cigarro eletrônico é maior entre crianças de 13 a 15 anos do que entre adultos” e que houve um aumento do consumo desses produtos entre os jovens nos países em que foram liberados, como Estados Unidos e Reino Unido, o que resultou em um problema de saúde pública.
Barra Torres reiterou o posicionamento da OMS de que “com base nas evidências atuais, não é recomendado que os governos permitam a venda de cigarros eletrônicos como estratégia comprovada de cessação”, argumento comumente usado pela indústria do tabaco de que os DEFs seriam menos viciantes e uma alternativa para os fumantes.
A comercialização dos vapes, como também são conhecidos, já era proibida no país desde 2009, mas foi aberta uma nova consulta pública sobre o tema entre dezembro de 2023 e fevereiro deste ano, para atualização. Barra Torres avaliou que as informações coletadas na consulta pública “não trouxeram fato ou argumento científico que alterasse o peso das evidências já ratificadas por essa colegiada anteriormente”.
Além de manter a proibição, Barras Torres anunciou 27 novas medidas de combate à comercialização e ao consumo de cigarros eletrônicos, entre elas ações conjuntas com o Ministério da Educação para o desenvolvimento de práticas educativas, como incluir o tema na grade curricular do ensino fundamental e médio nas escolas .
Pareceres em apoio à proibição
A decisão de manter a proibição foi respaldada por pareceres de 32 associações científicas. Entre as manifestações, a ACT foi citada diversas vezes durante a reunião da Anvisa. Numa delas, foi mencionada a carta da organização e de mais de 30 instituições aos senadores da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) que discutem o projeto de lei 5008, de autoria de Soraya Thronicke, que propõe regulamentar e liberar os vapes no país.
Mônica Andreis, diretora-presidente da ACT Promoção da Saúde, apoiou a decisão da autoridade reguladora de manter a proibição e afirmou que a nova resolução está em consonância com as evidências científicas atuais, ressaltando que é necessário ampliar as campanhas informativas e combate ao mercado ilegal.
“Pesquisas têm evidenciado diversas substâncias tóxicas nos DEFs, incluindo metais pesados, além de ter sido identificado o uso de sais de nicotina, levando a uma rápida dependência e elevação do risco cardiovascular. A OMS também não recomenda o uso de e.cigs como método de cessação. Migrar para outro produto não significa deixar de fumar. E vale lembrar que no Brasil há tratamento gratuito para o tabagismo no SUS. Um risco ainda maior está na atratividade ao público jovem.”
A discussão sobre o processo regulatório dos DEFs pela Anvisa ocorre há cinco anos. A indústria do tabaco tentou interferir de diversas formas no processo e pressionou a agência para liberar a comercialização dos vapes no país. Entre as estratégias adotadas estão, campanhas com objetivo de influenciar a opinião pública, disseminação de desinformação sobre os dispositivos como alternativa para redução de danos para fumantes de cigarros convencionais e que são produtos com menos risco à saúde e matérias e eventos patrocinados em parceria com veículos de comunicação.
Participação em vídeo
O Brasil é um exemplo mundial na redução das prevalências de tabagismo. No relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em janeiro, destaca o Brasil entre os países com políticas bem sucedidas de controle do tabaco, que resultaram em queda relativa de 35% nos consumidores desde 2010.
A reunião foi realizada por meio de videoconferência, com transmissão pelo canal do YouTube da agência e foram apresentados vídeos com as manifestações orais contra e a favor da proibição dos vapes. Entre eles, profissionais de saúde, como o médico Drauzio Varella, que defendeu a proibição do uso de cigarros eletrônicos em vídeo exibido durante a reunião de diretoria da Anvisa.
“Do ponto de vista médico, não há nenhuma razão para considerar que o cigarro eletrônico é uma alternativa segura ao cigarro comum. Ao contrário, por terem uma quantidade grande de nicotina, eles viciam muito mais depressa”, afirmou Varella, que conhecido nacionalmente por defender políticas públicas de saúde.
A pneumologista Margareth Dalcolmo, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), defendeu a manutenção da proibição e explicou que os impactos já são percebidos por profissionais de saúde. “Temos tratado de crianças e adolescentes com danos absolutamente irreversíveis nos pulmões por conta de vapes e pods”, diz. Ela afirmou que o fim da proibição criaria uma “legião de dependentes de nicotina” com grandes chances de, ao longo do tempo, se tornarem pacientes portadores de doenças pulmonares crônicas, incluindo o câncer.
A Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais da Saúde (Conasems) também opinaram contra a liberação do produto durante a reunião colegiada. Na ocasião, foi exibida a posição do Ministério da Saúde, também contrária à liberação. A ministra da Saúde Nísia Trindade publicou nas redes sociais o seu posicionamento em apoio à decisão da Anvisa.
Participaram também com vídeo em apoio a proibição dos DEFs, o Instituto Nacional do Câncer, Ministério da Saúde, Ministério Público do Estado de São Paulo, Fiocruz, Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina e organizações internacionais como a Tobacco Free Kids e Vital Strategies.
Representantes da Philip Morris Brasil e a BAT Brasil, entre as principais indústrias do mercado tabagista, defenderam que a liberação dos cigarros eletrônicos seria uma alternativa menos danosa em substituição ao cigarro convencional e colaboraria para combater ao comércio ilegal de dispositivos eletrônicos e controle sanitário, argumentos que foram amplamente refutados pelos diretores durante as dez horas de reunião da agência reguladora. O mesmo argumento foi usado por usuários de vape e pelo presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (Sinditabaco), Iro Schünke.