Nos últimos tempos, têm sido recorrentes notícias que associam a escravidão e o trabalho infantil com lavouras de fumo. Um drama brasileiro noticiado ao menos duas vezes no Ano Internacional da Erradicação do Trabalho Infantil.
Desta vez, as autoridades identificaram trabalho escravo em Goiás. A propriedade produz palha para os cigarros da empresa Souza Paiol. Foram 116 trabalhadores escravizados e entre eles cinco adolescentes. Em 2020, a exploração de trabalhadores mineiros desse setor foi também noticiada.
É inaceitável que trabalho análogo à escravidão e trabalho infantil nas lavouras do fumo continuem a contribuir para a manutenção dos negócios das empresas de tabaco. As empresas lucram de todos os lados e mesmo durante a pandemia da Covid-19. Nunca a percepção de que a indústria do cigarro faz mal de ponta a ponta esteve tão evidente.
Os produtos de tabaco matam ao menos 161 mil brasileiros anualmente ou 443 todos os dias. O tabagismo custa R$ 92,7 bilhões para sociedade brasileira, em decorrência dos custos diretos com tratamento de doenças relacionadas e indiretos, por perda de produtividade no trabalho. As empresas de tabaco alegam que pagam tributos. No entanto, a receita advinda dos impostos de cigarros significa apenas 13% desse custo. É uma conta que não fecha.
A exemplo da Souza Paiol, a Japan Tobacco International (JTI), com fábrica inaugurada em 2020, não tem medido esforços para ampliar o mercado de cigarros de palha, incorporando no discurso as alegadas boas práticas corporativas como forma de atrair novos (e jovens) consumidores e afastar a imagem de que produzem um produto que mata dois em três consumidores.
Uma análise feita por André Szklo – pesquisador do Instituto Nacional de Câncer (INCA) – mostrou que entre 2013 e 2019 a proporção de fumantes brasileiros de cigarro de palha acima de 25 anos, reduziu de 12,7% para 9,7%, na região rural, e de 2,9% para 2,7%, na urbana. Entretanto, a situação é diversa entre os adultos jovens (18 a 24 anos). A proporção subiu em ambas as áreas, dobrando entre aqueles da zona rural (2,2% para 4,5%).
Fonte: INCA, 2021.
Vale lembrar que qualquer produto de tabaco traz graves prejuízos à saúde, mesmo quando enrolados em palha. O tabaco usado contém aditivos e a fumaça inalada entra nos pulmões. As substâncias tóxicas e cancerígenas são carregadas por todo organismo através da corrente sanguínea. Tabagismo está associado a mais de 70 doenças: do coração, pulmão, câncer, entre outras.
O governo brasileiro, como signatário da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde, tem a obrigação de proteger a saúde dos trabalhadores rurais das mais de 130 mil famílias que cultivam tabaco, e oferecer alternativas economicamente viáveis para cultura do fumo, dentre outras estabelecidas no tratado.