Álcool, tabaco e ultraprocessados se apropriam da pauta feminista para vender doença e morte

feminista

Começamos abril com a missão de não permitir que as considerações sobre a condição da mulher se encerrem com o fim de março, mês universalmente consagrado a discussões sobre desigualdade de gênero. No que diz respeito especificamente à nossa agenda de enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), propomos a reflexão sobre o modo de atuação das indústrias de álcool, tabaco e ultraprocessados para conquistar o pauta feminista, discutido no evento O Rosa dá Choque, na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP).

Cada vez mais evidências científicas destacam as bebidas alcoólicas, os derivados de tabaco e os alimentos ultraprocessados – ricos em sódio, gordura, açúcar e aditivos, e pobres em nutrientes – como os principais fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes, hipertensão, insuficiência cardiovascular e alguns tipos de câncer, entre outras DCNTs. A ameaça à saúde, no entanto, não representa a única característica em comum dessas três categorias de artigos.

Quando prestamos atenção na publicidade, percebemos que, através dos tempos, as indústrias de álcool, tabaco e ultraprocessados utilizam as mesmíssimas estratégias de marketing. Saem atrizes e top models internacionais, entram influencers com grande ascendência sobre o público feminino. Desde o início do século passado, as ideias de empoderamento, equidade de gênero, bem-estar e liberdade vêm sendo utilizadas com o intuito de angariar fortunas.

Mas por que a mulheres? Kristina Sperkova, presidente da Movendi, rede internacional de prevenção ao consumo de álcool, lembra que elas sempre beberam menos do que eles, tanto que, nas primeiras propagandas, as mulheres eram usadas como chamariz, objeto, em anúncios voltados para o público masculino.

A emancipação feminina mudou essa história. A festejada entrada da mulher no mercado de trabalho trouxe um novo contingente de consumidores que chamou a atenção do mercado.  A partir daí, temos uma enxurrada de produtos voltados especificamente ao universo das mulheres. Da mesma forma, percebemos também o interesse das marcas em patrocinar eventos culturais e de lazer direcionados para esse segmento.

A prevalência de consumo de derivados de tabaco entre o sexo feminino também sempre foi menor na comparação com o masculino, informa Mônica Andreis, diretora-presidente da ACT Promoção da Saúde. Mas os fabricantes já miravam nas mulheres desde os anos 20 do século passado.

Os anúncios, conta ela, associavam o cigarro à perda de peso, melhor condicionamento físico, disposição e até maior controle emocional. Esses argumentos podiam, inclusive, ser referendados por profissionais da saúde. Hoje, a gente olha isso com indignação. Mas era exatamente essa a mensagem: o cigarro deixaria a mãe mais calma para cuidar dos filhos”, acrescenta Mônica. 

Já no século 21, a indústria de alimentos se vale da tática de oferecer solução para os dilemas da mulher. Marília Albiero, coordenadora de inovação e estratégia da ACT, destaca que boa parte dos ultraprocessados chega ao mercado prometendo “facilitar” a rotina de quem vive sobrecarregada tentando conciliar o cuidado com a família, a administração da casa, a vida profissional etc.

“Antes, as marcas davam receita, ensinavam como fazer uma refeição rápida para o marido e, assim, ajudar manter o casamento”, destaca Marília. Com a passagem do tempo, mudanças de costumes e dos próprios papéis atribuídos aos gêneros, as campanhas adotam outro tom. Fabricantes de refrigerante, agora, apoiam o futebol feminino ou financiam curso de capacitação para empreendedoras.  

Como acontece com diversos segmentos da economia, as grandes empresas captam as tendências, se mostram atentas às demandas da sociedade. Compreender a situação, no entanto, não garante o investimento em busca de saídas para questões estruturantes. Significa, apenas, um esforço para encontrar novas oportunidades de aumentar os lucros à custa de adoecimento e morte.

Angélica Brum

Deixe um comentário