Desigualdade e saúde: como raça, gênero, escolaridade e renda impactam na saúde

raça

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) – hipertensão, problemas cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer, entre outras – já representam a maior causa de mortes prematuras em todo o mundo. E, no Brasil, a situação se repete. No sentido de deter o avanço da pandemia de DCNTs, autoridades como a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendam o controle dos principais fatores de risco: o consumo de tabaco, álcool e ultraprocessados, além da inatividade física.

No entanto, numa sociedade diversa e desigual como a nossa, essas ameaças incidem de forma diferenciada no que diz respeito à raça, gênero, escolaridade e renda. Com o objetivo de traçar um painel das correlações entre essas variáveis, Déborah Malta, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e apontada pela Research.com como a pesquisadora mais importante do país em 2023, coordenou o estudo Determinantes Sociais em Saúde e as Doenças Crônicas Não Transmissíveis e seus fatores de risco e de proteção na população adulta brasileira.

Antes de começar a apresentação do trabalho no evento Rosa dá Choque: Estratégias de empresas para mulheres e o conflito de interesse com a saúde, promovido pela ACT na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Déborah destacou a importância de produzir dados para embasar a formulação de políticas públicas mais efetivas. Entre as conclusões do levantamento, a professora fez questão de chamar atenção para dois aspectos.

“Primeiro, o comportamento das taxas de mortalidade por doenças crônicas. Tivemos uma redução importante durante a pandemia de Covid, quando ocorreu um aumento das mortes por Covid. Mas observamos depois a ascensão das doenças crônicas. Então, isso evidencia que devemos dar atenção à prevenção e à promoção da Saúde.”

O segundo ponto, escolhido por Déborah, diz respeito especificamente à saúde da mulher.

“O consumo de álcool praticamente duplicou entre as mulheres. Elas continuam bebendo menos do que os homens. Mas o uso entre eles se mantém estagnado. Isso revela uma estratégia da indústria de dirigir toda a campanha de publicidade para esse público, associando o empoderamento e a equidade de gênero com o consumo do álcool.”

A prevalência de bebidas alcoólicas vem sendo ainda maior entre as mulheres com mais escolaridade. A tendência, chamada pelos pesquisadores de convergência de consumo, pode ser observada em diversos países. O processo, no entanto, não chega a ser uma novidade.

“Assistimos ao mesmo movimento no passado, quando os produtores de tabaco associavam o hábito de fumar à igualdade de gênero. Uma estratégia repetida que devemos enxergar como um alerta em relação à saúde da mulher.” 

No que diz respeito ao padrão alimentar e à prática de atividade física, o levantamento da UFMG traz à tona a vulnerabilidade com recorte de raça, das mulheres negras e pardas. Nessa categoria, o consumo de frutas e hortaliça é mais baixo. Por outro lado, o sedentarismo prevalece, assim como os casos de obesidade e hipertensão arterial. Os dados reforçam a situação que a professora Roseane Corrêa, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), acompanha de perto.

À frente de uma investigação sobre Racismo no Sistema de Saúde, ela foi convidada a comentar a pesquisa sobre DCNTs, raça, gênero, escolaridade e renda e lembrou como o lugar social afeta a qualidade de vida. Ao lado da colega Débora, diante da plateia de estudantes, profissionais de Saúde Pública, e representantes de organizações da sociedade civil, ela reafirmou a relevância de uma produção científica que leve em conta determinantes sociais.

Roseane propôs uma reflexão sobre a ineficácia das campanhas voltadas para mudanças individuais, que não consideram a demanda por leis capazes de reduzir assimetrias, desestimular o consumo de produtos nocivos e, ainda facilitar o acesso à comida de qualidade.

“Sabemos que o que devemos que para ter qualidade de vida. Mas falta o acesso a alimentação, transporte, atividade física e a uma renda justa. O trabalhador de raça negra, hoje, vive nas periferias, reside distante do seu local de trabalho. Ele precisa levar sua alimentação. Quem é que vai fornecer essa alimentação? É o alimento industrializado, que cabe na marmita dele às 4h da manhã e vai ficar bom, sem estragar, até 3h da tarde. O modo de vida o leva acessar esses produtos, refrigerantes, enlatados etc.”

Na mesma linha, a professora fez uma provocação:

“Para quem nós vamos orientar uma caminhada de uma hora por dia? No caso específico da mulher negra, temos aquela mulher que cuida de si, que cuida da sogra, dos filhos, do vizinho. A maioria das famílias brasileiras é chefiada por mulheres, que têm uma renda injusta.”

Angélica Brum

Deixe um comentário