Em casa e na rua, o carnaval é nosso (e não da indústria do álcool)

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Sem as festividades de rua em mais um fevereiro de pandemia do coronavírus, a Ambev, maior fabricante e distribuidora das bebidas alcoólicas do país, tem mirado não só nas festas de clubes mas também nas casas das pessoas para recuperar o prejuízo. Mas onde entra a conta da saúde pública, com as mortes, doenças e outros danos sociais causados pelo consumo nocivo desses produtos?

Nos últimos anos, o carnaval se tornou a galinha de ouro da indústria do álcool, que tem se esforçado em ser necessária em muitas atividades de lazer, de cultura e até mesmo esportivas – frequentemente, com apoio do governo. De tal forma que hoje é difícil pensar na realização de uma festa popular sem apoio destas empresas. Em novembro do ano passado, por exemplo, foi anunciada a oferta de R$23 milhões para a Ambev ser a patrocinadora oficial do Carnaval de rua de 2022 da cidade de São Paulo. Nada diferente na cidade do Rio de Janeiro, onde o patrocínio já virou tradição.

Desde o começo da pandemia, as cervejarias grudaram nas telas dos monitores das muitas lives realizadas por artistas populares. As parcerias com influenciadores e artistas bombaram. E deu resultado! O lucro das empresas cresceu mais e mais. A Ambev bateu recorde de volume de cerveja, com 180 milhões de hectolitros produzidos no último ano. As vendas tiveram um crescimento de 7,7%.

Enquanto isso, uma pesquisa feita no ano passado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) confirmou um aumento de 93,9% do abuso de bebidas alcoólicas no contexto pandêmico. Para 52,8% dos entrevistados que exageraram na dose, a saída disponível para aliviar um sintoma emocional foi o produto que faz mal à saúde e à sociedade. Os dados nacionais também apontam um agravante para o controle do alcoolismo: o SUS registrou crescimento de 11% nos casos de transtorno mental por uso de álcool e drogas

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Após as decisões das prefeituras de adiar o carnaval de rua neste ano, o plano B da empresa, em suposto apoio às medidas de saúde, foi promover o consumo em casa e incentivar a vacinação. A parceria com o aplicativo de entrega de bebidas alcoólicas Zé Delivery também ganhou fôlego e foi só uma liminar judicial que cancelou a festa com influenciadores com a cantora Anitta e a Gkay, que ocorreria em um condomínio no litoral de Salvador, em oito dias de festa entre fevereiro e março. O questionamento foi do próprio condomínio. Já assumindo a continuidade da bebedeira, a Heineken, outra cervejaria que tem se expandido, anunciou que manteria o ritmo da produção mesmo sem o carnaval de rua.

O vínculo entre poder público e as cervejarias é tão profundo que mesmo o auxílio da prefeitura aos vendedores ambulantes do Rio de Janeiro, por exemplo, seria concedido com base no cadastro feito pela Ambev, o que foi alvo de contestação dos trabalhadores. 

Muita coisa fica de fora da conta e quem perde é a população, que compromete a renda familiar, coloca a própria vida e a de outras pessoas em risco, e fica exposta às mais de 200 doenças e lesões relacionadas ao álcool, à violência doméstica e no trânsito (basta ver os números de motoristas embrigados flagrados nas folias anteriores), a questões socioeconômicas, ao desemprego e até ao suicídio. Isso ainda sem contar os danos ambientais.

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E não faltam estímulos, basta ver alguns trens do MetrôRio, na capital fluminense, totalmente adesivados com propaganda de cervejas. Enquanto, no continente americano, a cada dez segundos alguém morre, precocemente, de causas relacionadas ao álcool. Um prejuízo de longo prazo para toda a sociedade. 

Por isso, avançar nas políticas públicas de controle do alcoolismo é questão urgente de saúde pública. A Organização Mundial de Saúde tem buscado promover entre os países um pacote de estratégias para reduzir o consumo nocivo de álcool. E, no último mês, durante a reunião de alto nível da Assembleia Geral sobre Prevenção e Controle das Doenças Não Transmissíveis, a OMS reforçou a necessidade dos governos de  protegerem as políticas públicas contra os interesses comerciais e outros interesses criados que possam interferir ou minar os objetivos de saúde pública. 

Não custa reforçar: neste carnaval, evite aglomerações, fique em casa e se cuide.

Conheça a campanha “Viva Melhor, Beba menos”, da OPAS com apoio da ACT.

 

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