É difícil alguém no Brasil hoje não conhecer de perto os prejuízos do consumo do álcool, seja por ser próximo a alguém que viveu isso ou por já ter experimentado na própria pele. Na região das Américas, uma em cada quatro pessoas com mais de 15 anos relatou, pelo menos uma vez por mês, o chamado beber excessivo episódico – quando o consumo de álcool ultrapassa 60g de álcool puro (ou seis doses padrão) para homens ou cerca de 40g para mulheres. É a região do mundo com maior prevalência de transtornos relacionados ao uso de álcool em mulheres e a segunda maior em homens: 1 em cada 12 adultos ou 8,2%. No Brasil, o índice chega a 20% (Vigitel, 2020).
O fato é que, apesar das bebidas alcoólicas serem amplamente usadas em muitas culturas, o uso nocivo dessa substância psicoativa e cujas propriedades causam dependência tem um grande peso na carga de problemas de saúde, além do ônus social e econômico. É associado a mais de 200 doenças e lesões, também à violência doméstica e no trânsito, a questões socioeconômicas, ao desemprego e até ao suicídio. No continente americano, a cada dez segundos alguém morre, precocemente, de causas relacionadas ao álcool.
Campanha ‘Viva Melhor, Beba Menos’ e Inteligência Artificial para a saúde
Ou seja, o álcool atrapalha uma vida mais saudável. O volume, o padrão de consumo e, mais raramente, a qualidade do produto são determinantes para seus efeitos. Ao diminuir o consumo, muitos desses problemas também podem ser reduzidos. Esse é o recado da nova campanha da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) lançada em novembro, com apoio no Brasil da ACT Promoção da Saúde.
Paralelamente à mobilização, a OPAS também apresentou uma ferramenta de inteligência artificial para aumentar o acesso à detecção precoce, intervenção breve e outros serviços de tratamento para transtorno de álcool: a Pahola. A ‘humanoide digital’ pode conversar, em português, inglês ou espanhol, sobre os efeitos do álcool sobre a sua saúde e faz recomendações acerca de como reduzir o consumo, respondendo questões como: “Como sei se bebo demais?”, “Posso beber álcool depois de tomar a vacina COVID-19?” ou “O álcool pode causar câncer?”. Ela também fornece apoio para quem busca ajudar um familiar, mantendo a confidencialidade das informações fornecidas.
Agir é preciso
Vários fatores contribuem para que as pessoas abram mão de fazer uma escolha mais segura para si mesmas e para aquelas ao seu redor ao ingerir menos bebidas alcoólicas. O contexto (que considera cultura, economia e renda, disponibilidade do produto e qualidade das políticas públicas) tem um papel importante. Especialistas consideram que, quanto mais vulnerabilidades tiver uma pessoa, maior a probabilidade de desenvolver problemas relacionados ao álcool.
E sobre esse aspecto, as autoridades públicas e a sociedade podem (e devem) contribuir para poupar vidas. Leis que coíbem o consumo de bebidas alcoólicas em determinadas situações (como ao dirigir, durante as eleições, em estádios de futebol, etc.) são exemplos de iniciativas que previnem os possíveis danos. E, claro, os interesses da indústria de expandir o mercado consumidor não devem se sobrepor aos da saúde pública e da sociedade.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta os governos com uma série de propostas técnicas de políticas de intervenções econômicas, lançadas em 2018, para reduzir o consumo de álcool, resumidas no acrônimo em inglês SAFER (Strengthen, Advance, Facilitate, Enforce, Raise):
- Reforçar as restrições à disponibilidade de álcool;
- Avançar e aplicar medidas contra a direção sob o efeito do álcool;
- Facilitar o acesso à triagem, intervenções breves e tratamento;
- Aplicação de proibições ou restrições abrangentes à publicidade, patrocínio e promoção de bebidas alcoólicas;
- Aumento os preços do álcool por meio de impostos especiais de consumo e políticas de preços.
Brasil ainda precisa avançar nas políticas de regulação
Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo analisaram documentos regulatórios a nível federal e estadual sobre consumo de álcool no país e constataram que o Brasil responde a apenas 51% das ações propostas pela OMS. O resultado foi apresentado pela líder da pesquisa, a professora Zilá Sanchez, durante o webinar “Estudos e perspectivas no legislativo sobre o consumo do álcool no Brasil”, transmitido em outubro pelo canal da OPAS.
Quando analisados individualmente, os estados chegam a atingir no máximo 60% das orientações com leis complementares. A pesquisadora observou que, enquanto o país avançou muito nas políticas relacionadas à embriaguez ao volante, a legislação ainda tem muitas lacunas na promoção de ações comunitárias e na política de preços, por exemplo.
Saiba mais sobre a campanha Viva Melhor, Beba Menos.