Obesidade x economia: qual a relação?

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Por oito anos eu morei na França e com frequência me perguntava: por que quase não tem pessoas com obesidade neste país? Os franceses consomem muito pão, muita batata, é a “festa dos carboidratos”. Isso sem falar nos queijos. Mas por que eles não estão nem entre os 10 países mais “gordos” no mundo?

Até chegar a uma conclusão mais racional e baseada em dados, eu pensei diversas coisas, algumas com sentido, outras nem tanto. Primeiro pensei que como na capital, Paris, e nas grandes cidades como Marseille e Lyon, por exemplo, o transporte é de fácil acesso, as pessoas andam menos de carro, precisam se mexer mais pra fazer as conexões nos transportes e, por isso, gastam mais energia. Depois pensei que, devido ao histórico de grandes guerras do país, os franceses desenvolveram uma habilidade em se alimentar em pequenas porções, mas em diferentes etapas (entrada, prato principal, queijo e sobremesa, bem nessa ordem). Isso entendi após uma aula de história na faculdade, estudei na Sorbonne, onde o professor explicou que a comida era tão racionada na década de 1940, durante a segunda Guerra Mundial, que os franceses se adaptaram a comer pão e batata, por ser o que tinha. A fome era tamanha que invadiram o zoológico de Paris para se alimentar dos animais. 

Mas a minha racionalidade falou mais alto e comecei a ver as coisas com outros olhos: os franceses quase não consomem produtos industrializados e não costumam frequentar fast foods. Seria essa uma explicação? 

Uma pesquisa intitulada “Consumo de comida ultraprocessada e indicadores de obesidade na população do Reino Unido”, publicada na revista científica estadunidense Plos One, mostrou que um aumento de 10% no consumo de alimentos ultraprocessados foi associado a um aumento de quase 20% na prevalência de obesidade em homens e mulheres. Entre os mecanismos que podem explicar a ação nociva dos ultraprocessados está a composição do produtos: altas quantidades de açúcar, sal e gorduras saturadas e trans, e baixos teores em proteínas, fibras, vitaminas e minerais. É um perfil nutritivo conhecido por aumentar os riscos de obesidade e doenças crônicas, como diabetes.

O estudo também destaca que esses alimentos hiperpalatáveis (com sabor excessivamente pronunciado) são também viciantes, danificando assim, os processos cerebrais que sinalizam a saciedade, controlam o apetite o que, consequentemente, provoca o consumo excessivo e despercebido de calorias.

Ora, minha teoria em relação aos franceses não estava tão furada assim, não é mesmo? 

Mas todos e todas nós sabemos que os alimentos ultraprocessados geralmente são mais baratos. E em um país como no Brasil onde o número de pessoas que vivem na pobreza quase triplicou no início de 2021, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, a gente sabe qual tipo de alimento a população mais pobre vai consumir.

Está faltando comida na mesa. Comida de qualidade então, nem se fala. O número de pobres saltou de 9,5 milhões em agosto de 2020 para mais de 27 milhões em fevereiro de 2021. Para piorar a situação, a alta de preços nos alimentos dificultou a vida de quem mais precisa. Está aí a relação da economia com a obesidade. 

É impossível lutar por um país mais saudável e menos obeso ignorando sua situação econômica. O Brasil onde a cesta básica subiu até 30% em um ano e chega a R$ 700, segundo o Dieese também é o Brasil onde o mercado de alimentos orgânicos, só em 2020, avançou 30% em relação ao ano anterior, movimentando R$ 5,8 bilhões, segundo a Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis). Se as pessoas não estão conseguindo comer nem feijão e farinha, imagine comer orgânicos.

O Brasil ideal seria aquele onde a população fizesse escolhas alimentares mais saudáveis, o que ajudaria na prevenção de doenças crônicas como as doenças do coração, diabetes e até câncer, responsáveis por quatro em cada seis mortes no mundo. Mas como quase 28 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza farão escolhas alimentares mais saudáveis? Elas só querem comer.

Lembra que na França na década de 1940, por estarem famintas devido a guerra, as pessoas invadiram o zoológico para comer os animais? Aqui a gente revira caminhão de lixo para pegar carne estragada. É a fome. Não acredito que foi a guerra que mudou os hábitos alimentares dos franceses, mas sim um sistema econômico sólido e um sistema que garante a renda mínima, acesso à saúde e à educação para todos. Quer combater a obesidade? Invista no combate à desigualdade. É isso que combate a obesidade, que na real, é só a ponta do iceberg.

Por Thaís Bernardes, jornalista e criadora do site Notícia Preta

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