A Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, decidiu por unanimidade que está correta a cobrança por parte da União de crédito tributário devido por empresa do Sistema Coca-Cola, pela classificação fiscal errônea dos insumos vendidos na Zona Franca de Manaus para a industrialização de bebidas adoçadas não alcoólicas, como refrigerantes, sucos de caixinha e outras bebidas adicionadas de açúcar ou edulcorantes.
O valor da Certidão de Dívida Ativa em 31.07.2019 corresponde a R$40.524.122,74, relacionado a impostos sobre produtos industrializados – IPI e multas.
A ACT foi admitida para atuar neste processo como amicus curiae, e contribuiu com uma Nota Técnica elaborada pela professora e jurista Tathiane Piscitelli, da Fundação Getúlio Vargas, que demonstra a posição unânime do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF quanto a esta classificação fiscal, que se alinha ao entendimento do Tribunal, fortalecendo os argumentos da Procuradoria Nacional da Fazenda.
Estes insumos são vendidos por empresa situada na Zona Franca de Manaus, a Recofarma, a uma empresa situada fora da região, a Spal. Embora não haja incidência do IPI nesta operação, a classificação fiscal importa, pois produz efeitos no aproveitamento do crédito ficto do IPI pela empresa adquirente.
Mesmo localizadas fora da Zona Franca, as empresas que adquirem tais insumos têm direito ao aproveitamento do crédito ficto ou presumido equivalente à alíquota correspondente da Tabela do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aplicada ao preço total pago na aquisição dos insumos de fornecedores localizado na ZFM, a despeito da isenção do IPI para esta transação, conforme decisão do STF. Assim, quanto maior a alíquota do IPI para estes produtos, maior o montante do crédito ficto, e, portanto, maior o benefício fiscal fora da ZFM.
A classificação fiscal determina a alíquota do IPI e, neste caso, a classificação adotada pelas empresas levou a uma alíquota de 20%, enquanto que a classificação determinada pela Receita Federal implica em alíquota de 0% de IPI. Com a classificação errônea dos insumos, a empresa se favoreceu de excessivo benefício fiscal no aproveitamento de créditos do IPI.
O produto vendido é um kit para preparação de concentrados de bebidas não alcoólicas, e as empresas o classificam na posição Ex 01 do código 2106.9010, da TIPI, que se refere a preparações compostas, não alcoólicas (extratos concentrados ou sabores concentrados), para elaboração de bebida da posição 22.02, com capacidade de diluição superior a 10 partes da bebida para cada parte do concentrado.
As empresas chamam de “xarope concentrado” um conjunto de ingredientes acondicionados na forma de um kit, com diversos componentes químicos individuais os quais, quando diluídos, acrescidos de água e outras substâncias, serão utilizados como insumo para a produção de bebidas adoçadas.
Portanto, como os ingredientes que compõem os kits não estão misturados, não devem ser considerados extratos concentrados ou sabores concentrados, mas sim um conjunto de ingredientes acondicionados na forma de um kit, fornecidos em partes separadas.
Ainda assim, a empresa alega que os kits representam uma unidade indivisível e indissociável, e para a Receita Federal esse esforço retórico da empresa não encontra lastro na legislação tributária que regula as regras de classificação de produtos, na Classificação Internacional, tampouco nos precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. A RFB considera que cada ingrediente do chamado kit deve ser considerado individualmente para fins de classificação fiscal.
Incentivos fiscais para bebidas adoçadas não alcoólicas contribuem para o barateamento do preço final ao consumidor, e vão na contramão das políticas preconizadas pela Organização Mundial da Saúde, Organização Panamericana de Saúde, Banco Mundial, Instituto Nacional do Câncer/Ministério da Saúde, e evidências científicas mais recentes, para que bebidas adoçadas não alcoólicas sejam onerosamente tributadas. Cerca de 60 países e regiões já adotam a tributação de bebidas adoçadas como política pública, como Portugal, Reino Unido, França e México.
Adriana Carvalho e Ladyane Souza