A Câmara dos Deputados sediou, em 12 de junho, o “Dia Nacional de Mobilização por uma reforma tributária 3S: saudável, solidária e sustentável”, com o lançamento de manifesto, ato público, entrega de cartas aos parlamentares e um seminário internacional. O evento reuniu dezenas de organizações da sociedade civil, profissionais da saúde e outros especialistas nacionais e internacionais, estudantes e deputadas e deputados sensíveis à causa.
Durante a manhã, o evento contou com a abertura do Coral Identidade, formado por estudantes da Universidade de Brasília e pacientes laringectomizados, que tiveram que extrair a laringe ou partes dela como decorrência de doenças como câncer de laringe e boca, associadas ao consumo de tabaco. No discurso de abertura do evento, o deputado Padre João (PT) falou da reforma tributária como alicerce de outras políticas públicas, e denunciou a interferência de indústrias nos processos legislativos. “É aqui no parlamento em que criam-se as leis. Só que ao invés de promover justiça e saúde, muitas promovem desigualdades”, afirmou.
Atividades interativas
No Espaço do Servidor, integrantes da ACT Promoção da Saúde realizaram atividades interativas e de divulgação científica sobre fatores de risco das doenças crônicas não-transmissíveis (DCNTs), que são a principal causa de morte no Brasil e no mundo. No “Open bar” da ACT, com bebidas cenográficas e um cardápio surpreendente e inusitado, o público pôde conhecer um pouco mais sobre os impactos das bebidas alcoólicas na saúde.
A “Tenda dos ultraprocessados” apresentou um pouco do Guia Alimentar para População Brasileira e da classificação NOVA dos alimentos por seu grau de processamento, e convidou o público a montar uma cesta básica de alimentos alinhada às recomendações de saúde do Guia Alimentar. E no espaço dedicado ao controle do tabagismo, o público conheceu vídeos ganhadores do concurso “Cancela o Vape”, receberu materiais informativos e brindes.
Ainda durante a manhã, um grupo de representantes da coalizão da reforma 3S entrou no plenário onde acontecia a audiência pública promovida pelo GT da reforma tributária, e estendeu uma faixa, instando parlamentares a considerar a justiça social, a saúde e a sustentabilidade em seus debates e decisões.
A exposição contou com a visita de uma comitiva internacional de especialistas em saúde e economia, com integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Mundial de Saúde (OMS), OPAS, Banco Mundial, Campanha Tobbacco-free kids e Johns Hopkins Institute.
Ato público lança manifesto pela reforma tributária 3S
À tarde, um ato público marcou o lançamento oficial do manifesto por uma reforma tributária 3S, que foi entregue aos parlamentares presentes. “A reforma tributária fica muito monopolizada pelo debate econômico, e isso faz algum sentido, porque é uma das reformas econômicas mais importantes desde a redemocratização. Mas o debate não pode ficar restrito à economia, ele tem que ser muito mais amplo”, afirmou Marcello Baird, coordenador de advocacy da ACT. “A reforma tributária pode ser um verdadeiro passaporte para o futuro, para repensar o nosso modelo socioeconômico. Como representantes da sociedade civil organizada, queremos ajudar os Poderes Executivo e Legislativo a pensar um modelo alternativo de desenvolvimento para o país, incentivando o que faz bem à saúde das pessoas e do planeta, e desincentivando o que faz mal”.
“Eu considero esse movimento histórico e fundamental, porque hoje temos espaço para um debate mais aberto sobre justiça tributária. E essa fase da regulamentação é muito importante e decide a aplicação das diretrizes constitucionais”, afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB). “A saúde é um bem fundamental, a solidariedade é um valor cultural e político, e a sustentabilidade, mais do que nunca, é uma exigência da contemporaneidade. E é importante que o Congresso assuma e incorpore essas preocupações de vocês, que são nossas também”.
“Depois de mais de 30 anos de debate, a gente celebra a aprovação da reforma tributária. Mas a gente tem uma conjuntura aqui dentro do Congresso Nacional muito difícil, e por isso, a importância dessa mobilização”, afirmou o deputado Nilto Tatto (PT). “A cegueira e o negacionismo com relação a crise climática se concretizam em projetos votados aqui dentro do parlamento, e precisam de uma pressão mais organizada por parte da sociedade civil, dos movimentos populares, de todos aqueles que querem uma reforma tributária justa, saudável e sustentável.”
Cartas das sociedades médicas sobre reforma tributária saudável
Durante o ato público, o médico Paulo Correia, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, entregou aos parlamentares uma carta aberta ao parlamento, assinada por 25 sociedades médicas e organizações da saúde. No documento, as sociedades médicas comemoram a criação do imposto seletivo e a previsão de incidência sobre bebidas alcoólicas, produtos derivados do tabaco e bebidas açucaradas, e chamam a atenção para a importância da definição posterior da alíquota, que deve cumprir o objetivo de desincentivar o consumo destes produtos. A carta também pede a ampliação de todas as categorias de produtos ultraprocessados no imposto seletivo, além dos refrigerantes, como forma de reduzir seu consumo, prevenir doenças e gastos públicos, e sugere que os recursos arrecadados sejam utilizados para programas de saúde.
Também durante o ato público, Patrícia Sosa, diretora da organização Campaign for Tobacco Free Kids, entregou aos parlamentares uma carta assinada por um grupo de 27 organizações não-governamentais da América Latina e de atuação global. O texto parabeniza pela previsão de imposto seletivo sobre o tabaco, bebidas alcoólicas e bebidas ultraprocessadas açucaradas, e ressalta a importância da definição das alíquotas e definições técnicas para que o imposto cumpra seu objetivo: reduzir o consumo dos produtos nocivos.
Seminário e imposto seletivo
No fim do dia, aconteceu o seminário “Em Defesa da Reforma Tributária 3S: saudável, solidária e sustentável”, promovido pelas Comissões de Desenvolvimento Econômico; Legislação Participativa; Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e Saúde – e a íntegra do evento pode ser conferida na íntegra no Youtube da Câmara dos Deputados.
A primeira mesa tratou do tema “Imposto Seletivo e Meio Ambiente” e foi presidida pelo deputado Nilto Tatto (PT). “O Brasil tem uma oportunidade única de transformar o futuro não apenas através da simplificação do sistema tributário, mas também por meio de uma política fiscal que zele pela saúde, proteja gerações futuras e impulsione o desenvolvimento sustentável”, afirmou Mônica Andreis, diretora presidente da ACT . “Para isso é preciso que o imposto seletivo inclua tabaco, álcool, as bebidas açucaradas e também seja expandido para todos os ultraprocessados”.
“Nós estamos falando aqui de álcool, tabaco e ultraprocessados, produtos que estão ligados a lucros corporativos enormes, de indústrias poderosas que conseguiram encontrar a fórmula mais rápida de enriquecer e gerar lucro, que é justamente explorar a suscetibilidade humana ao vício”, afirmou o pediatra e sanitarista Daniel Becker. “São produtos que viciam pessoas, e portanto, elas se tornam consumidores obsessivos e com isso, o lucro é maximizado.”
“Ultraprocessados são produtos nocivos à saúde, e é importante introduzirmos políticas públicas que desincentivem seu consumo”, disse Courtney Ivens, do Banco Mundial. Segundo ela, todas as faixas econômicas ganhariam com a redução do consumo de ultraprocessados derivada de uma maior tributação. “As faixas mais pobres, sendo mais sensíveis a mudanças de preços, e que já consomem menos ultraprocessados, ganhariam mais pela substituição do consumo por outros alimentos mais saudáveis.”
Bert Brys, economista sênior da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), reiterou o apoio da organização ao imposto seletivo. “O Brasil está conduzindo uma reforma tributária fantástica, com a previsão de imposto seletivo, e organizações internacionais como a nossa estão aplaudindo essa implementação. Essa reforma tributária vai colocar o Brasil na direção correta, e não apenas em relação aos impostos que vamos pagar amanhã, mas pensando a longo prazo”.
Cesta básica
A segunda mesa tratou da Cesta Básica e Combate às Desigualdades e foi presidida pelo deputado Padre João (PT). Lilian dos Santos Rahal, do Ministério do Desenvolvimento Social, falou sobre a metodologia que embasou a publicação do decreto que institui a Cesta Básica Nacional de Alimentos, e defendeu que o decreto oriente a discussão sobre a cesta básica na reforma tributária. “Essa cesta básica precisa promover o consumo de alimentos in natura e minimamente processados, e desincentivar o consumo de ultraprocessados. Essa é a oportunidade para que os parlamentares possam fazer história no nosso país”, afirmou Lilian.
“Hoje há uma evidência internacional indiscutível que, se quiser melhorar a qualidade da dieta tem, que taxar ultraprocessados e subsidiar frutas, verduras e legumes, não adianta fazer um sem o outro”, afirmou José Graziano da Silva, do Instituto Fome Zero. “A mudança de preços relativos entre ultraprocessados e frutas, verduras e legumes é brutal. O consumo de ultraprocessados está aumentando muito no Brasil, e estamos usando dados de mais de 6 anos atrás, com as transformações recentes e principalmente depois da pandemia, esses números estão muito piores.”