Infância não combina com tabaco

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Em plena consulta pública da Anvisa a atualização da regulação dos DEFs, OMS divulga nota pela manutenção da proibição nos países em que a comercialização já é proibida e solicita ação urgente para proteger crianças e adolescentes desses produtos

Bonitos, descolados, com diversos sabores e facilmente confundidos até com itens de material escolar. A indústria do tabaco elabora os vapes, cigarros eletrônicos e outros dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) com roupagens modernas para atrair principalmente crianças, adolescentes e jovens, de forma a garantir clientes por um longo tempo. A ideia também é dissociar a imagem dos DEFs dos cigarros convencionais, socialmente reconhecidos como produtos que causam sérios danos à saúde da população.

O disfarce não se sustenta diante das evidências científicas. O sal de nicotina, presente em diversos modelos, causa dependência mais rapidamente que os cigarros convencionais. São encontradas ainda outras substâncias nocivas à saúde nesses aparelhos.

No Brasil, a comercialização, importação e propaganda de DEFs já são proibidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Seguindo seu cronograma regulatório, a diretoria colegiada da Agência decidiu de forma unânime, em reunião realizada em 1º de dezembro, levar à consulta pública um novo texto de regulamentação. O texto foi publicado no dia 6 e seguiu as recomendações do Relatório de Análise de Impacto Regulatório publicado em julho de 2022. O prazo para contribuições é de 60 dias, de 12 de dezembro a 9 de fevereiro de 2024. 

A ACT está ao lado de toda a comunidade médica pela manutenção da proibição. Em breve, vamos divulgar para a nossa rede o texto da nossa contribuição à consulta. Durante a audiência do dia 1º, a Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), se posicionou contra liberar a comercialização dos DEFs. Nesta quinta-feira (14), a OMS reafirmou seu posicionamento ao divulgar uma nota em que solicita aos países que atuem de forma urgente para controlar os cigarros eletrônicos e proteger as crianças e os não-fumantes.

“As crianças estão sendo recrutadas e presas desde cedo ao uso de cigarros eletrônicos e podem ficar viciadas em nicotina”, declarou na nota o diretor-geral da OMS, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Exorto os países a implementarem medidas rigorosas para proteger seus cidadãos, especialmente crianças e adolescentes”, completou.

A preocupação é tamanha que a OMS anunciou, nesta segunda-feira (18), que a próxima campanha do Dia Mundial do Tabaco (31 de maio de 2024) trará o tema “Protegendo as crianças da interferência da indústria do tabaco” (tradução livre).

A indústria do tabaco argumenta que os DEFs são eficazes como estratégia de redução de risco entre fumantes. A OMS, contudo, reforça seu posicionamento na nota de que “as estratégias de cessação do tabagismo devem basear-se nas melhores evidências disponíveis de eficácia, acompanhadas por outras medidas de controle do tabaco e sujeitas a monitoramento e avaliação. Com base nas evidências atuais, não é recomendado que os governos permitam a venda de cigarros eletrônicos como estratégia comprovada de cessação”.

Lucros com a destruição

A Organização é contundente ao declarar que “a indústria do tabaco lucra com a destruição da saúde e utiliza estes produtos mais recentes para conseguir um lugar na mesa de elaboração de políticas com os governos para fazer lobby contra as políticas de saúde. A indústria do tabaco financia e promove provas falsas para argumentar que estes produtos reduzem os danos, ao mesmo tempo em que promove fortemente estes produtos junto a crianças e não-fumantes e continua vendendo milhões de cigarros.”

As estratégias de promoção dos produtos do tabaco são replicadas por diversos outros setores da indústria. Algumas são altamente refinadas, como contratar conteúdos patrocinados em veículos de comunicação de credibilidade. Embora esses conteúdos tenham o aviso de patrocinado e o nome da empresa que pagou por eles, é difícil, para a maioria da população, distinguir, uma vez que eles têm cara de notícia. 

De acordo com reportagem da Agência Pública, entre 2018 e novembro de 2023 ao menos dez veículos já publicaram conteúdos pagos pelas duas principais indústrias de tabaco e que apostam nos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) para se manterem no mercado, diante da conscientização da população sobre os malefícios dos cigarros convencionais. Essas empresas também investem em eventos patrocinados e lives favoráveis à liberação do comércio de DEFs no país. 

Mais de 400 mortes por dia

A saúde é um direito humano e deve estar no centro da elaboração de políticas públicas. O Brasil é reconhecido internacionalmente por suas ações de controle do tabagismo e pela criação e implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), que visa o acesso integral, universal e gratuito a toda a população. As doenças e incapacitações ligadas ao tabagismo custam cerca de R$92 bilhões por ano, sobrecarregando o sistema de saúde. São 161 mil mortes por ano, ou seja, 443 brasileiros e brasileiras morrem por dia em decorrência do tabaco. Na nossa página Conta do Cigarro, esses custos estão bem explicados.

O Ministério da Saúde já declarou, mais de uma vez, seu posicionamento contrário à liberação dos DEFs no país. Em vídeo recente, a ministra Nísia Trindade e o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, falaram sobre como esses produtos são nocivos, sobretudo aos jovens, um de seus principais públicos-alvo. Teixeira foi além e falou que o MDA é a favor da Política de Substituição de Cultivo do Tabaco de forma voluntária. 

A indústria também defende que a liberação das vendas de DEFs no Brasil diminuiria o comércio ilegal e traria arrecadação de impostos. O Ministério da Justiça e Segurança Pública, órgão máximo sobre o tema, refuta esse argumento. Para a Pasta, a liberação do comércio regulado ampliaria o interesse e o comércio ilegal, num ciclo sem fim de contrabando e danos à saúde.

E as crianças? A Constituição Federal as coloca a salvo, como prioridade absoluta na elaboração de políticas públicas. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante a elas o direito prioritário à saúde. Como um país com uma legislação protetiva da infância de vanguarda como o nosso poderia aceitar vender no mesmo estabelecimento comercial doces e dispositivos eletrônicos para fumar com sabores como os de frutas? 

A OMS declara na nota que os países que proíbem a venda de cigarros eletrônicos devem reforçar a implementação da proibição e continuar o monitoramento e a vigilância para apoiar intervenções de saúde pública, além de garantir um cumprimento rigoroso das normas. A ACT defende esse posicionamento e convida você a se manifestar também na consulta pública da Anvisa. O prazo de contribuições é até 09 de fevereiro de 2024.

Acesse a consulta pública.

Saiba mais sobre os DEFs.

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