O excesso de peso (sobrepeso e obesidade) tem aumentado em todas as faixas etárias nas últimas décadas, no Brasil. Ao se analisar a tendência entre pré-escolares nos anos de 1989, 1996 e 2006, foi observado um aumento de 160% na prevalência de crianças menores de cinco anos com excesso de peso, com um aumento médio de 9,4% ao ano. No grupo de crianças com idade entre 5 e 9 anos, a Pesquisa de Orçamentos Familiares/2008/2009 identificou que aproximadamente uma em cada três crianças apresentava excesso de peso.
Dados do SUS de 2020 indicam que cerca de 6,4 milhões de crianças com menos de 10 anos, atendidas na Atenção Primária à Saúde (APS) tenham excesso de peso, enquanto 3,1 milhões tenham obesidade. E considerando todos os adolescentes brasileiros, estima-se que cerca de 11 milhões tenham excesso de peso e 4,1 milhões tenham obesidade.
A obesidade infantil é associada a uma maior chance de morte prematura, manutenção da obesidade e incapacidade na idade adulta. Além de aumentar os riscos futuros, crianças e adolescentes com obesidade podem apresentar dificuldades respiratórias, aumento do risco de fraturas e outros agravos ósteo-articulares, hipertensão arterial sistêmica, marcadores precoces de doenças cardiovasculares, resistência à insulina, câncer e efeitos psicológicos, como baixa autoestima, isolamento social e transtornos alimentares, dentre outros.
A obesidade entre crianças e adolescentes é resultado de uma complexidade de fatores genéticos, individuais/comportamentais e ambientais que atuam em múltiplos contextos: familiar, comunitário, escolar, social e político.
Dentre os fatores individuais/comportamentais que podem estar associados à condição de obesidade em crianças e adolescentes, destacam-se a ausência ou curta duração do aleitamento materno, o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, densamente calóricos, ricos em gorduras, açúcares e sódio, a inatividade física, o aumento do comportamento sedentário e o sono inadequado.
Quanto aos fatores ambientais, chamamos de ambiente obesogênico aquele promotor ou facilitador de escolhas alimentares não saudáveis, de inatividade física e de comportamentos sedentários. Sabe-se que o principal elemento para o aumento da prevalência da obesidade nas populações é o ambiente cada vez mais obesogênico.
A obesidade infantil não deve ser vista como resultado de escolhas voluntárias de estilo de vida, especialmente por parte da criança. Dado que a obesidade infantil é influenciada por fatores biológicos e contextuais, são necessárias ações governamentais e políticas públicas que visem a promoção da saúde, implementação de medidas de prevenção do ganho de peso excessivo, diagnóstico precoce e cuidado adequado à criança, adolescente e gestantes, bem como o estabelecimento de políticas intersetoriais e outras que promovam ambientes saudáveis, a fim de apoiar os esforços das famílias na adoção de comportamento e escolhas mais saudáveis.
Sob a ótica intersetorial, deve-se incluir o diálogo com o varejo de alimentos, planejamento e design urbano, construção civil, transportes, segurança pública, economia, direito, habitação, meio ambiente, educação, esporte e lazer, entre outros setores. Ações e políticas de incentivo à produção de alimentos in natura e minimamente processados, como frutas e hortaliças regionais, em áreas urbanas, periurbanas, ou em áreas rurais perto das cidades podem melhorar o preço e a qualidade desses alimentos, de modo a incentivar o maior consumo por parte da população local. Iluminação, e segurança também devem ser garantidos para viabilizar a prática do lazer e do esporte nesses espaços. Investimentos em transporte público e ciclovias devem ser considerados para melhorar a qualidade da mobilidade urbana, favorecer a adoção de deslocamentos ativos, com menores impactos sobre o meio ambiente e às mudanças climáticas.
Diante da prevalência crescente da obesidade e da obesidade infantil, nas últimas duas décadas, acadêmicos passaram a redirecionar seus olhares sobre os determinantes da obesidade, utilizando visões ecológicas mais coerentes com a complexidade de seus fatores condicionantes. A importância de criar ambientes favoráveis à saúde alcançou reconhecimento formal com a Carta de Ottawa em 1986 e, desde então, modelos teóricos voltados ao ambiente tornaram-se mais embasados, sendo aplicados a uma ampla variedade de questões de saúde nas sociedades contemporâneas, incluindo comportamentos ou padrões alimentares e de atividade física, que figuram dentre alguns dos principais determinantes da obesidade.
O Ministério da Saúde lançou, em 2021, a Estratégia Nacional para Prevenção e Atenção à Obesidade Infantil (PROTEJA), cujo objetivo é deter o avanço da obesidade infantil e contribuir para o cuidado e para a melhoria da saúde e da nutrição das crianças. A Estratégia incentiva os municípios a implementarem ações intersetoriais em todos os espaços que são frequentados pelas crianças e suas famílias, contribuindo para a oferta de ações de atenção em saúde para crianças e adolescentes que tenham excesso de peso.
Os principais responsáveis por essa iniciativa são os gestores municipais de saúde. As ações propostas pela estratégia requerem articulação local para a sua implementação com outros setores tais como administração pública, agricultura, assistência social, comunicação, educação, esporte e lazer, planejamento urbano, e transportes, o que exige destes gestores, habilidades inovadoras de gestão.
A inovação na gestão pública deve ser pensada de modo a propiciar uma governança integrada entre setores de todos os níveis de governo e sociedade civil. Uma governança integrada garante o alinhamento das ações em todos os níveis de governo, de modo que a responsabilidade e o financiamento possam ser compartilhados. A liderança é vital para criar o ambiente político que permitirá a governança e as políticas integradas entre estes setores.
Considerando as ações em prol da reversão do quadro de obesidade infantil no país, identifica-se, através do PROTEJA, uma oportunidade de articular a temática das cidades saudáveis e sustentáveis e a organização de ambientes promotores de saúde no enfrentamento da obesidade infantil.
Ricardo Brandão, Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, coordenador do Laboratório de Vida Ativa – LaVA/UERJ