Ainda sai fumaça (e vapor) das telas

cigarro

O mundo gira, muita coisa avança, mas o audiovisual continua a ser uma brecha muito bem aproveitada pelas empresas de tabaco para normatizar e incentivar o consumo do cigarro em plena segunda década do século 21, mesmo após acúmulos de pesquisas atestando os males do produto e milhares de vidas perdidas por causa do tabagismo.

Em março, um relatório da observadora global da indústria do tabaco STOP destacou como as gigantes Philip Morris Internacional (PMI) e a British American Tobbaco (BAT) ganharam espaço na série documental “F1: Dirigir para Sobreviver” (2019) expondo os adultos, jovens e até crianças fãs da Fórmula 1 a um produto que vicia e mata. O documento aponta para um problema estrutural no ramo: as empresas são velhas patrocinadoras de duas das mais conhecidas equipes, a McLarren e a Ferrari. Foram 40 bilhões de dólares gastos apenas em 2022 investidos pela indústria no ramo.

Além, claro, da recomendação da organização de que os reguladores do campeonato automobilístico sigam os passos de outras modalidades esportivas e proíbam esse tipo de patrocínio venenoso, também as produtoras e plataformas de streaming, neste caso a Netflix, devem se comprometer em cuidar das próximas gerações – a trincheira que a indústria quer conquistar.

Cabe lembrar que a plataforma declarou em 2019 que não iria mais exibir cenas de pessoas fumando em produções originais voltada ao público jovem. Isso depois de um documento da mesma organização ter apontado centenas de sequências em séries muito populares (quase 300 na segunda temporada de Stranger Things, contra 182 na primeira). Porém, conforme a população vai ficando mais informada e as políticas públicas como as de restrição de publicidade vão se afinando, as empresas do Big Tobbaco se esforçam em achar caminhos mais sutis e traiçoeiros para estar em todos os lugares.

É clássico o estudo de caso nos cursos de Comunicação Social a respeito da estratégia de marketing do tabaco através do encanto do cinema, sobretudo na Era de Ouro de Hollywood. As imagens que associavam o cigarro a afetos como glamour, poder, diversão, sedução e até rebeldia reagiam à Ciência – séria, comprometida com a sociedade e, portanto, livre de conflito de interesse –, que cada vez mais apontava a armadilha à saúde pelo consumo do produto.

Mesmo assim, o danado do tabaco continua em cena. Com uma nova roupagem talvez, nos pods, nos vapes…, mas sempre ávido por encontrar mais um comprador, ainda que tenha a saúde como custo. É o que evidencia outro relatório, da Truth Initiative, publicado logo antes da cerimônia do Oscar, no começo de março, em que aponta que 60% dos filmes e videoclipes mais populares entre o público de 15 e 24 anos em 2021 e em 2022 continham representações de tabaco, expondo em torno de 25 milhões de jovens ao vício.

No favorito da Academia neste ano, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” (2022), por exemplo, é um vape que Evelyn Wang (Michelle Yeoh) e Deirdre (Jamie Lee Curtis) dividem na enfim reconciliação entre elas, dando ares a um momento agora descontraído em vez de tenso.

É sabido, conforme reforça publicação da British Medical Journal (Baker et al, 2019), que as imagens dos produtos nocivos levam ao aumento da aceitação e, por fim, ao uso e à dependência. É o golpe que a indústria do tabaco persiste em dar em nossa subjetividade para continuar a comprometer a saúde do futuro. Mas estamos atentas e atentos!

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