É fato que a má alimentação e o sedentarismo favorecem o acúmulo de gordura, mas a pergunta é se cada indivíduo realmente tem as condições propícias para tomar as decisões que vão favorecer um estilo de vida mais saudável. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2019) alerta que, nos últimos 13 anos, subiu em 125% o número de pessoas com obesidade, doença crônica responsável por diversos agravos ao bem-estar. É difícil inferir que este crescimento seja apenas resultado de escolhas individuais não saudáveis.
Esta foi a provocação levantada pela coordenadora de ação e estratégia da ACT, Marília Albiero, durante o Webinar “Obesidade: soluções urgentes para esta grave epidemia”, do Fórum DCNTs, no último dia 27 de julho. Em outras palavras, não basta que as pessoas tenham acesso à informação e educação em saúde. Afinal, elas não estão isoladas, mas inseridas em um sistema alimentar que considera disponibilidade, acesso e informação sobre os alimentos. E se esse contexto torna as decisões saudáveis mais difíceis?
“Quando a gente imagina, especialmente a população de baixa renda, em seus ambientes alimentares, como supermercados, feiras, restaurantes, aplicativos, até estações de metrô e de trem, a gente vê que todo o nosso sistema alimentar funciona de forma que as pessoas não tenham uma alimentação saudável. A opção não saudável é sempre aquela mais disponível, com preço mais acessível, a que a informação vai te convocar para consumir aquilo que não é saudável ou não é clara o suficiente sobre as opções saudáveis”, argumentou Marília Albiero durante o evento.
Alimentação saudável mais distante da mesa do brasileiro
Basta constatar alguns fatos. Em contraponto ao aumento das exportações, o país tem mais de 100 milhões em situação de insegurança alimentar ao mesmo tempo que tem 40 milhões de pessoas com obesidade. De um lado, um aumento de 9% para 16% no consumo de ultraprocessados durante a pandemia da Covid-19 e, de outro, um país que ocupa o vigésimo lugar no ranking dos países que dispõem de espaços para plantação de frutas, legumes e verduras*.
Ao mirar no processo de produção e comercialização, as evidências são ainda mais enfáticas. Enquanto a área voltada para o plantio de commodities como açúcar, milho e soja cresceu em 135%, o espaço nacional dedicado ao plantio de arroz, feijão, legumes e frutas reduziu em 33%*. Já a inflação do preço de frutas e hortaliças cresceu acima do IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IBGE). Por sua vez, o do açúcar e seus derivados (como doces, sorvetes e outros) ficaram abaixo da média. Fica até 43% mais barato para o consumidor comprar uma lata de refrigerante do que uma fruta.
Diante dos dados, é fato que não é possível tratar a obesidade apenas como um caso isolado e que é urgente avaliar e mudar os determinantes sociais e comerciais para transformar a realidade de mais de 60% da população adulta e quase 30% das crianças e dos adolescentes convivendo com a obesidade (dado do IBGE), doença crônica responsável por 4 milhões de mortes por ano no país.
“Somente com um conjunto de medidas integradas que foquem desde a prevenção ao tratamento, do indivíduo aos elementos sistêmicos como o sistema alimentar teremos alguma possibilidade de controlar esta epidemia de obesidade, tão agravada com a pandemia de Covid-19. Entretanto, estas medidas têm que atuar simultaneamente com a mesma intensidade, relevância e prioridade”, defende Marília Albeiro.
*Com base em relatório elaborado por Valter Palmieri Jr com dados da FAO/ONU e do IBGE.
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