A pandemia causada pelo novo coronavírus está impondo uma série de desafios em nível coletivo e individual. Governos têm tomado medidas de contenção da propagação do vírus, ofertado assistência aos infectados e tomado um conjunto enorme de decisões para proteger a saúde e a população, que segue como pode as orientações de manter-se isolada fisicamente. Algumas pessoas trabalham remotamente, e as que desempenham atividade essencial se protegem como possível.
Se para muitos estar isolado do convívio social pode levar a inquietações, medo e ansiedade, imagine para os fumantes. Além dos desafios comuns a todos, eles enfrentam o dilema de consumirem um produto que os deixa mais vulneráveis à infecções pulmonares e, quando infectados pelo coronavírus, os colocam sob um risco aumentado de ter um desfecho negativo.
Deixar de fumar é sempre a melhor opção e, com auxílio profissional, o fumante tem mais chances de obter êxito na sua tentativa. Mas, em tempo de pandemia, mesmo para aqueles que desejam abandonar o tabagismo, as aflições devem ser muitas: “como deixar de fumar agora sem assistência de um profissional?”, “fumar em casa expõe minha família ainda mais aos prejuízos da fumaça do cigarro?” ou “e se o abastecimento de cigarros for interrompido durante a pandemia, como vou ficar sem nicotina?”.
Há também fumantes que não querem parar de fumar, por ainda não estarem motivados para isso ou por qualquer outra razão, mas que mesmo assim andam refletindo sobre a vulnerabilidade em que se encontram durante a pandemia.
As empresas de tabaco, por outro lado, enaltecem suas ações de responsabilidade social corporativa (que, na verdade, nada mais são do que ações de marketing), mas aumentaram a produção de cigarros tão logo a pandemia foi anunciada. Esse aumento, somado com a pandemia, o abastecimento não interrompido e a crise política refletiram no comportamento dos fumantes, conforme verificado por um estudo da Fundação Oswaldo Cruz, realizado em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Estadual de Campinas e que obteve os seguintes resultados:
Entre os fumantes, 87,7% mantiveram ou aumentaram a quantidade de cigarros fumados por dia, com a seguinte distribuição:
- 53,4% mantiveram a quantidade de cigarros consumidos;
- 6,4% aumentaram em cinco ou menos unidades;
- 22,8% aumentaram em cerca de dez unidades;
- 5,1% aumentaram em 20 cigarros ou mais (equivalente a um maço a mais por dia).
O comportamento dos homens foi diferente do das mulheres: 57,1% e 49,2%, respectivamente, relataram manter o número de cigarros consumidos, enquanto 29% delas aumentaram meio maço ao dia, contra 17% dos homens.
A consideração da variação da quantidade de cigarros segundo o grau de escolaridade também sugere uma desigualdade social do tabagismo na pandemia. Entre os indivíduos fumantes de menor escolaridade, 35% aumentaram o consumo em mais de dez cigarros por dia, contra 26% dos fumantes com alta escolaridade. Além disso, apenas 5% dos primeiros diminuíram a quantidade diária, contra 13% entre os com ensino superior completo.
Milhões de brasileiros ainda são dependentes de nicotina. Para uma parcela deles, a pandemia pode ser o momento de abandonar o tabagismo, mas para muitos o desafio ainda parece ser muito grande. Ações que estimulem a cessação devem ser desenvolvidas pelas autoridades sanitárias, respeitando e tendo como norte as questões de gênero e de classes sociais para propiciar acesso à saúde para toda a população.