Texto de Alexandre Milagres, do Centro de Apoio ao Tabagista e membro da Rede de Promoção da Saúde
Imagem de capa: https://www.takeapart.org/wheretheressmoke/
Em 1998, ao assumir a direção-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), a norueguesa Gro Brundtland elencou o tabagismo como a maior preocupação daquela agência das Nações Unidas. A mortalidade atual associada ao uso do tabaco, 7 milhões por ano, revela o quanto foi acertado o destaque dado no dia de sua posse.
De lá para cá, muito tem sido feito visando a redução do impacto ambiental, econômico, sanitário e social provocado pela dependência química em nicotina, notadamente após a construção e implementação do maior tratado mundial de saúde pública _ a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Framework Convention on Tobacco Control).
Dada a complexidade do problema, uma série de políticas públicas vêm sendo adotadas pelas nações, fazendo frente, inclusive, ao gasto econômico colossal, calculado globalmente em cerca de 1,4 trilhões de dólares anuais, em custos com tratamento de saúde, aposentadorias precoces e perda de produtividade.
Uma destas políticas mais eficazes tem sido o banimento da publicidade de produtos de tabaco e do patrocínio de eventos com exposição de suas marcas. No Brasil, por exemplo, levantamento da Organização Pan-Americana da Saúde apontou que um em cada três brasileiros deixou de fumar depois que medidas que restringiram a propaganda de cigarros na TV e em veículos de comunicação de massa entraram em vigor.
Desde que o Tratado da OMS foi pensado, a comunicação de massa atingiu novas plataformas _ digitais. Da noite para o dia, surgiu uma nova categoria de comunicadores, a dos influenciadores digitais. Frequentemente jovens e descolados, eles e elas, passaram a receber a atenção de milhões de denominados ‘seguidores’ e assumiram o protagonismo inusitado na vida de muitos destes. Apesar de o fenômeno ser novo demais para ser avaliado e ter as suas benesses e riscos devidamente compreendidos, é vida que segue e o mundo que evolui.
O problema, e aqui identificamos um aspecto claramente negativo nesta inovação propiciada pelas novas tecnologias, é o que este novo nicho passou a ser utilizado também por corporações de peso, de forma a burlar a fiscalização de políticas públicas exitosas e legislação federal bem definida pelos países.
Uma investigação, com duração já de 2 anos, foi financiada pela ONG americana Tobacco Free Kids, em denúncia recente à Comissão Federal de Comércio dos EUA, afirma que, de forma fraudulenta, a indústria do tabaco vem secretamente burlando a legislação que proíbe a publicidade, financiando influenciadores de mídia social para que associem as suas pessoas e atitudes habituais a diversas marcas de cigarros e vapes.
Os investigadores entrevistaram ‘influenciadores’ baseados nos Estados Unidos e também de fora, quando estes produziam material voltado para comunidades americanas. Identificaram haver orientação para que as postagens parecessem autênticas e não publicitárias, não só escapando da fiscalização sanitária oficial, como das regras rígidas das principais plataformas de mídia digital, Facebook, Instagram e Twitter, que não permitem veiculação de publicidade de tabaco. Os pesquisadores estimam que estas campanhas, articuladas entre a Big Tobacco e os jovens influenciadores digitais, tenham sido vistas 25 bilhões de vezes em todo o globo, sendo quase 9 bilhões nos EUA. O uso de hastags e a divulgação de fotos com maços expostos ‘inocentemente’ foram percebidos como as principais maneiras de associá-los ao tabaco.
Esta burla tem efeitos danosos ao controle planetário do uso tabaco, sobretudo, na questão da redução da experimentação e adesão à nicotina por crianças e adolescentes. 90% dos fumantes atuais iniciaram-se antes de completados os 18 anos de idade e 95% antes dos 21. Estudos mostram que apenas 1 cigarro, nos geneticamente propensos, pode gerar adicção à droga para o resto da vida. Trata-se de uma dependência superior à produzida pela heroína, cocaína, álcool e maconha.
Não serem influenciados pelas companhias de tabaco deve ser visto como um direito dos menores de idade. E a garantia deste direito, uma obrigação das autoridades brasileiras.