Mais países adotam a embalagem padronizada para cigarro. E a vez do Brasil?

embalagem padronizada

A partir de 2022, dois novos países passam a exigir um design de embalagem padronizada para produtos do tabaco: a Dinamarca e Myanmar. Com isso, sobre para 20 o número de países a adotarem a medida recomendada no artigo 11 da Convenção-Quadro para Controle de Tabagismo. O pioneiro é a Austrália que, em 2012, provou judicialmente que as embalagens de cigarro se tornaram um instrumento para a indústria atrair consumidores frente à tendência de proibição das propagandas destes produtos em todo o mundo. Em 2016, pesquisa mostrou que a medida levou o país a ter 118 mil menos fumantes.

Países como França, Reino Unido, Noruega, Irlanda, Nova Zelândia, Turquia, Arábia Saudita, Tailândia e Canadá também reconheceram a importância das embalagens neutras, iguais em forma, cores, fonte e modo de abertura, para diminuir o estímulo ao consumo de um produto que causa inúmeras doenças e um enorme prejuízo à economia e ao meio ambiente. 

Na América Latina, o Uruguai é o único a aplicar a norma até agora. E o Brasil, que já avançou muito na implementação da Convenção-Quadro para Controle de Tabagismo (OMS), ainda padece de uma norma que coloque em prática a recomendação. O projeto de lei que trata do assunto na Câmara dos Deputados (o 1744 de 2015, unido ao PL 6387/2019) aguarda análise na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços, mas pouco avançou desde 2019. No final de outubro deste ano, o colegiado realizou uma audiência pública com especialistas para discutir o assunto, na qual a ACT participou (assista na íntegra).

Em 2016, a embalagem padronizada foi tema da campanha do Dia Mundial Sem Tabaco do Instituto Nacional do Câncer (Inca), dois anos depois publicação nota técnica na qual o órgão vinculado ao Ministério da Saúde afirma  que a publicidade através das embalagens têm sido usada pela indústria para expandir os consumidores e que “nada justifica que produtos de tabaco, cuja letalidade é amplamente comprovada (matam um em cada dois consumidores), sejam vendidos em embalagens atrativas que não traduzem os seus reais efeitos”.

O design letal

Há tempos, especialistas de diversas áreas da saúde e da comunicação analisaram como os elementos da embalagem e até a logo e as informações sobre a marca podem tornar os maços mais atraentes. Consultora da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para Controle de Tabagismo (Conicq), a psicóloga Cristina Perez, explica que, apesar dos anúncios em revistas e TVs já serem proibidos no Brasil, a exposição de cigarros nos pontos de venda, assim como o uso de cigarros em produções de cinema e TV continuam permitidas. É a brecha que a indústria precisa para chamar a atenção dos consumidores.

“Atualmente, as embalagens têm um lado 100% composto por advertência sanitária, além dos 30% na outra face. A empresa tem todo o resto disponível para fazer propaganda. Então, a embalagem padronizada vai impedir que vendam um produto como se fosse inofensivo, que não é”, afirma a mestre em saúde pública.

Propositalmente, as embalagens dos maços passam uma ideia de luxo, liberdade, glamour e outros atributos e status desejáveis, induzindo o consumidor a ignorar o aspecto negativo de seu consumo. A realidade dos usuários dos produtos, expostos a mais de 50 doenças que podem ser letais, é a de ter menor resistência física, menos fôlego e pior desempenho nos esportes e na vida sexual, além de envelhecer precocemente e ficarem com os dentes amarelados, cabelos opacos, pele enrugada e impregnada pelo odor do fumo.

Alvo: jovens

Um estudo apresentado na Câmara dos Deputados sobre o PL 6387 pela coordenadora sênior do Programa de Pesquisas da Escola de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, Graziele Grillo, mostra que as cores, os nomes nas embalagens e os sabores adicionados a filtros aumentam a curiosidade de jovens para experimentar o produto, resultando em maior iniciação ao tabagismo. Vale mencionar que, no Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar de 2020 (Pense – IBGE) apontou que 22,6% dos estudantes já experimentaram tabaco. 

Em muitos casos, a especialista comenta que as propagandas na embalagem induziam ao erro, sugerindo leveza quando a cor era mais clara e, portanto, menor prejuízo à saúde. O levantamento também apontou que a indústria investe em publicidade através das embalagens. A pesquisadora cita que um designer de embalagens de cigarro entrevistado argumentou que o consumidor carrega o maço consigo todo tempo, fazendo uma declaração sobre si mesmo. A embalagem fica visível nos pontos de venda, em balcões ou mesas de bares, para fumantes e não fumantes.

Outro estudo, feito pelo pesquisador Felipe Lacerda Mendes na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), avaliou como os maços podem ser atrativos para diferentes grupos de consumidores, também analisou como os entrevistados recebiam as embalagens padronizadas: se estas geravam desinteresse, repulsa para experimentação e até estímulo à cessação de fumar. O pesquisador observou como desenhos, imagens, formas, texturas, logomarca, fonte e, especialmente as cores, atraíram curiosidade, vontade de experimentar e até de fumar.

“Além do design em si, outras três características foram enfatizadas pelos participantes da pesquisa: os sabores adicionados aos cigarros, a personalidade ou imagem que a embalagem comunica e a segmentação por gênero”, escreveu na conclusão. 

A análise sugere que a adoção dos maços padronizados teria impacto especialmente aos jovens não fumantes ou fumantes ocasionais (que fumam em festas e eventos), inibindo a vontade de experimentar e consumir.

* Atualizado em 29 de outubro de 2021. 

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