Esta época do ano é muito regida por excessos, com férias, festas de Natal, ano novo e, na sequência, carnaval. Por vários motivos, é comum festejar com bastante bebida alcoólica, sem pensar nos efeitos que o consumo e a produção de álcool fazem à saúde e à sociedade como um todo.
Foi para questionar esses “hábitos” e pensar nas questões de regulamentação que participamos do lançamento do relatório “Álcool: obstáculo aos objetivos de desenvolvimento sustentável”, publicado, no Brasil pela ACT Promoção da Saúde e a organização internacional Movendi. O lançamento foi no começo de dezembro, em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, em Brasília, marcando a última atividade da Frente Parlamentar Mista em Apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A prevalência do consumo de bebidas alcoólicas tem subido no país. Conforme apontam dados do Covitel, Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia, 20,6% dos brasileiros consumiram álcool de maneira abusiva. O fato de o álcool ser uma substância legalizada e com poucas restrições quanto à sua comercialização contribui para a disseminação de uma falsa ideia de que ele não causaria sérios problemas. Mas não é bem assim.
O relatório sobre álcool, que também foi apoiado pelo Grupo de Trabalho da sociedade civil para a Agenda 2030 e que contou com dados provindos do Relatório Luz específicos para o Brasil, evidencia como os impactos da produção e do consumo de álcool são consideráveis na sociedade.
O prejuízo socioambiental
O álcool gera um ciclo vicioso de pobreza, ao comprometer a renda, principalmente de grupos mais vulneráveis, que deixa de ser investida em outras áreas estratégicas, como alimentação, saúde, educação e moradia. O consumo de álcool também afeta o quadro de fome, que atinge 33 milhões de pessoas no país, e contribui para a desnutrição.
O relatório mostra, ainda, que empresas de bebidas alcoólicas estão burlando regulamentações para registro de novas patentes de cevada, limitando a diversidade biológica, crucial para a agricultura, e seu plantio, junto com trigo e outras matérias primas usadas na fabricação de bebidas, leva ao desflorestamento. Além desses danos ao meio ambiente, a produção do álcool utiliza grande quantidade de água, que deixa de ser usada para consumo humano e para saneamento, e contamina os cursos d’água. A produção de álcool envolve de maneira significativa a emissão de gases de efeito estufa, agravando o maior desafio de nossa geração, a crise climática.
Com relação aos prejuízos à saúde, sabe-se que seu consumo é um importante fator de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, assim como para as doenças infectocontagiosas. O uso nocivo de álcool destaca-se entre os fatores de risco de maior impacto para a morbidade, mortalidade e incapacidades em todo o mundo, estando associado a quase 6% de todas as mortes. Além disso, 22% dessas doenças e incapacidades estão relacionadas a violências interpessoais. O álcool também prejudica o campo da educação, ao levar a menor rendimento de aprendizado e causar danos psicológicos aos usuários e seus familiares próximos.
O prejuízo econômico
Na economia, o saldo também é negativo. Apesar de argumentos comumente difundidos pela indústria do álcool, a geração de trabalho e renda é proporcionalmente muito inferior aos custos gerados pela produção e consumo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se uma perda de 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2014 (cerca de R$ 372 bilhões) em decorrência de problemas relacionados ao álcool. Entram nessa conta os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com o tratamento de doenças associadas ao uso de álcool e às perdas da capacidade de trabalho em decorrência de acidentes de trânsito provocados por motoristas bêbados, desemprego e afastamento do trabalho custeado pela Previdência Social. Assim, o País perde 4,5 vezes mais do que o lucro gerado por fabricantes.
A tributação de produtos nocivos, como tabaco e alimentos ultraprocessados, é considerada, pela OMS, como a medida mais custo-efetiva para regular o consumo. A tributação pode ainda ser uma maneira inovadora de financiar o SUS, a saúde e o próprio desenvolvimento sustentável, já que recursos arrecadados podem ser revertidos para essas áreas estratégicas.
A tributação consta na iniciativa SAFER, da OMS, e está presente na campanha da Organização Pan Americana da Saúde, “Viva Melhor, Reaja!”, que atenta justamente para a necessidade de adoção de medidas regulatórias para o álcool. Para além da tributação, a iniciativa também sugere, como importantes medidas para diminuir o consumo e promover a saúde das pessoas e do meio ambiente, fortalecer as restrições à disponibilidade de álcool, avançar e impor medidas contra a direção sob efeito do álcool, facilitar o acesso a triagem, intervenção breve e tratamento, proibir ou restringir publicidade, patrocínio e promoção de bebidas alcoólicas.
Excelente texto. E muita coragem em ir de contra os interesses da indústria de bebidas alcóolicas.
Muito bom trabalho. A bebida alcoólica interessa na verdade o bolso de poucos.