Artigo sobre a estação de metrô publicado originalmente no site do jornal “O Globo”
O MetrôRio embarcou numa viagem sinistra há mais de dois anos: vendeu o nome da estação Botafogo a uma fabricante de refrigerante. Há meses, a Secretaria de Transporte e a Agência Reguladora de Transportes Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro (Agetransp) pedem que o contrato seja suspenso, mas a concessionária segue sem dar ouvidos à solicitação.
O requerimento acolhe argumentos levantados pelo Ministério Público e pela ACT Promoção da Saúde e determina que a operação seja interrompida até a conclusão do processo administrativo sobre a viabilidade da comercialização dos naming rights, ou direito à denominação. Na realidade, já começa mal contada a história envolvendo a concessionária e uma marca associada a doenças como diabetes tipo 2, obesidade, complicações cardiorrespiratórias e diversos tipos de câncer.
Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o MetrôRio declarou que a parceria teria como objetivo aumentar a arrecadação durante a crise sanitária provocada pela Covid-19. A alegação não faz sentido: o contrato foi assinado no carnaval de 2020. Portanto, antes da adoção do protocolo de isolamento.
Por mês, segundo o acordo, o MetrôRio recebe R$266.666,67. Uma quantia significativa para pessoas físicas, mas praticamente irrisória quando sabemos que a indústria do refrigerante recebe, por ano, isenções fiscais de R$ 1,9 bilhões por meio de abatimentos de ICMS, IPI, IRPJ, PIS/Cofins, imposto de importação e outros.
Mais do que isso, pouco se sabe sobre o negócio. A própria Agetransp, instância reguladora, ainda não tem um posicionamento oficial sobre o caso. Há mais de um ano, o Ministério Público Estadual recebeu da ACT evidências sobre aspectos que comprometem a legalidade do acordo, como desrespeito ao patrimônio histórico-cultural e a publicidade abusiva.
Para tentar esclarecer a situação, recuamos nove anos. Em 2013, o MetrôRio tentou oferecer a empresas o mesmo tipo de parceria, iniciativa vetada pelo então governador Sérgio Cabral. Desta vez, ao que tudo indica, não houve sequer trâmite pelo Poder Executivo estadual. O próprio secretário de Transportes teria tomado conhecimento da transação quando a mudança de nome já era fato consumado.
Mesmo partindo da premissa de que uma concessionária de serviço público possa buscar receitas alternativas, a exploração comercial de um patrimônio cultural, como um logradouro público, para veicular publicidade de refrigerante suscita indagações jurídicas e éticas. Não parece haver interesse público no processo, não há sequer previsão de redução de tarifa para os usuários. Entende-se, portanto, que os únicos beneficiados com a mudança são as empresas envolvidas na transação.
À população resta o prejuízo decorrente da exposição, com avisos sonoros durante todo o trajeto, de um produto associado a doenças que respondem por 70% das mortes em todo o mundo. Só aqui no Brasil, o tratamento de problemas relacionados ao consumo de bebidas açucaradas custa ao SUS cerca de R$ 3 bilhões por ano, segundo o Instituto de Efectividad Clinica y Sanitaria (IECS), da Faculdade de Medicina de Buenos Aires. Há ainda o impacto sobre o ambiente da produção de plástico e do desperdício de água envolvidos na fabricação de refrigerante.
Permitir que uma atividade incompatível com a promoção da saúde e a preservação do ambiente se aproprie do nome da estação Botafogo do metrô carioca pode virar um caminho sem volta. Acreditamos que a mudança abre precedente para que todo tipo de empresa ocupe espaços públicos com propaganda abusiva.
Por Ladyane Souza, advogada de direitos humanos da ACT Promoção da Saúde e Paula Johns, socióloga e diretora-geral da ACT Promoção da Saúde