Por Maria Birman, pesquisadora
Em outubro do ano passado, eu fui convidada para fazer uma pesquisa sobre o ambiente alimentar escolar no Rio de Janeiro. Não uma pesquisa original, que vai a campo descobrir novos dados, analisar informação fresquinhas e coisas do tipo. A ideia era fazer uma pesquisa bibliográfica, um exercício de organização do conhecimento acumulado sobre o tema.
Não há dúvida que o ambiente alimentar é um dos determinantes do excesso de peso e de agravos a saúde [1]. As pesquisas que se dedicam a essa temática no contexto escolar trazem conclusões nítidas, precisas: o peso dos estudantes varia não só individualmente, mas também coletivamente, dependendo das características da escola onde eles estão matriculados [2, 3]. Isso significa que, em alguma medida, existem denominadores comuns do excesso de peso – e que ações para transformar a alimentação na escola podem ter impacto positivo simultâneo sobre todos os alunos que frequentam aquele ambiente.
Com isso em mente, mergulhamos nas ferramentas acadêmicas disponíveis para recuperar artigos, teses e dissertações sobre o ambiente alimentar escolar do Rio de Janeiro. O objetivo: reunir evidências que permitissem mapear esse ambiente e identificar os pontos nevrálgicos sobre os quais seria possível atuar coletivamente.
Pesquisas acadêmicas sobre “ambiente alimentar”
O que encontramos foi em certa medida surpreendente. As primeiras buscas, usando o termo “ambiente alimentar”, não trouxeram nenhum resultado. Essa foi a primeira descoberta, e bastante relevante: não encontramos estudos conduzidos no estado do Rio de Janeiro sobre a escola a partir do referencial teórico do ambiente alimentar. Daí resolvemos expandir a busca, fazer uma varredura da produção científica sobre alimentação na escola, com a ideia de montar as peças de um mosaico capaz de ilustrar o ambiente alimentar escolar por aqui.
Selecionamos as palavras chave, um ponto de corte temporal (trabalhos publicados nos últimos dez anos), e decidimos incluir as mais diversas abordagens metodológicas e recortes analíticos. Encontramos quinze artigos publicados em periódicos científicos e treze trabalhos de pós graduação (nove dissertações, quatro teses). Foi curioso olhar publicações tão distintas simultaneamente. Como alinhavar uma pesquisa de abordagem qualitativa utilizando método etnográfico e um estudo de abordagem quantitativa com desenho caso-controle, por exemplo? Os vinte e oito trabalhos foram lidos na íntegra, analisados e descritos em um relatório que tentou organizar informações obtidas em uma imagem coerente, ainda que incompleta, do ambiente alimentar escolar carioca e fluminense.
Muitos dos trabalhos incluídos no nosso esforço de revisão não tinham como objeto a saúde dos escolares, mas nos informam sobre o contexto onde esses sujeitos estão inseridos. Há diversas pesquisas que se debruçam sobre diferentes aspectos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), avaliando as condições higiênico-sanitárias das cozinhas onde as refeições são produzidas, a qualificação e adequação numérica das profissionais envolvidas com a execução do programa, e a compra de gêneros da agricultura familiar. Fica evidente que as escolas públicas do Rio não estão bem equipadas para alimentar os estudantes com segurança [4, 5], que as merendeiras não recebem qualificação adequada [5, 6] e que as nutricionistas responsáveis técnicas estão frequentemente sobrecarregadas [7, 8]. Apesar dessas limitações, o PNAE é considerado um espaço propício para a promoção da saúde [9]. Um estudo de inspiração etnográfica entende o comer na escola como um momento em que conversas sobre alimentação saudável surgem espontaneamente entre os estudantes, ao mesmo tempo em que descreve a justaposição das refeições saudáveis oferecidas pelo PNAE e refrigerantes comprados pelos alunos para acompanhá-las [10].
Cantinas e lanchonetes dentro da escolas
A compra de alimentos no interior da escola é certamente ainda mais relevante em contextos menos regulados. Pouco sabemos sobre o ambiente no interior das escolas particulares, mas no Rio de Janeiro, assim como no resto do país, já está claro que a prevalência de sobrepeso e obesidade é mais alta entre estudantes de escolas privadas do que entre os matriculados em escolas públicas [11]. Entre os 1749 estudantes do ensino fundamental e médio avaliados por Cnop e colaboradores na região Metropolitana [12], 24% dos matriculados em escolas particulares tinha sobrepeso, enquanto 17,3% daqueles matriculados em escolas públicas estavam na mesma situação. Nas quatro creches públicas em Macaé, na região Norte do estado, 1/3 das crianças entre 2 e 6 anos tinha excesso de peso [13]! Em uma pesquisa com mais de trezentos estudantes do nono ano em uma escola municipal em Niterói, a prevalência de sobrepeso e obesidade somadas foi quase a mesma encontrada em Macaé – e uma relação importante foi demonstrada: a prevalência de hipertensão entre todos os estudantes foi de 8,5% (o que já é alto) mas mais da metade dos hipertensos apresentavam excesso de peso [14]. O que isso significa para as outras crianças e adolescentes vivendo na mesma situação?
Nós não sabemos qual é a prevalência exata de excesso de peso entre as crianças e adolescentes em idade escolar no estado ou no município do Rio de Janeiro. Mas sabemos bem que em todas as ocasiões em que foi medida, ela era muito mais alta do que o esperado para uma população saudável.
Políticas públicas e intervenções sobre alimentação escolar
Qual o papel da escola nesse cenário? Já temos evidência de que intervenções educativas com foco em mudança de hábitos não tem efeito sobre o ganho de peso das crianças [15, 16]. Será que intervenções sobre o ambiente se mostrariam mais promissoras? Menegotto [2] demostra, a partir de uma série de exercícios econométricos, que as características do ambiente alimentar nas cantinas escolares estão associadas ao IMC dos alunos, e que políticas públicas promotoras da saúde, como o Programa Saúde da Escola (PSE), são capazes de neutralizar essa associação.
Para o Rio de Janeiro, avaliamos que a síntese dos achados incluídos na nossa revisão revela como intervenções possíveis: a regulação dos alimentos vendidos nas cantinas escolares, a qualificação e a valorização das trabalhadoras e trabalhadores envolvidos na execução do PNAE, o aprofundamento da relação entre PNAE e PSE, a melhoria da infraestrutura nas escolas públicas, além de um olhar mais atento para a alimentação oferecida nas escolas privadas, virtualmente desconhecida.
O ambiente escolar tem grande importância na promoção da saúde, e essa é uma ótima notícia para quem está engajado na construção de um futuro mais saudável. A escola já é um espaço regulado em outros aspectos, incluir nesse escopo medidas de proteção e melhoria dos ambientes alimentares no seu interior tem o potencial de gerar inúmeros benefícios para toda a sociedade.
Excelente matéria!!! Parabéns.