Consequências da epidemia de Covid-19 – como o colapso do sistema de saúde, o aumento do desemprego, da pobreza extrema e da fome – e problemas ambientais sérios poderiam ter sido amenizados se o Brasil estivesse cumprindo os compromissos firmados em 2015, quando assinou, junto com 192 países-membros das Nações Unidas, o acordo que definiu a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Isso é o que mostra o IV Relatório Luz da Sociedade Civil da Agenda 2030, lançado no último dia 31. O documento foi preparado por 108 especialistas do Grupo de Trabalho (GT) da Sociedade Civil, formado por 51 organizações – entre elas a ACT Promoção da Saúde, que contribuiu principalmente com a análise do ODS 2, que diz respeito à alimentação e segurança alimentar, e do ODS 3, Saúde e Bem-Estar.
O Relatório Luz é a única publicação organizada pela sociedade civil no Brasil que oferece um panorama em 360 graus sobre o andamento da implementação da Agenda 2030 no país. Nesta edição de 2020, os especialistas concluem que a concretização de todos os ODS está ameaçada e que vivemos uma “tragédia anunciada”.
“A tragédia que o Brasil vive hoje já vinha sendo anunciada. Em 2017, por exemplo, quando lançamos o primeiro Relatório Luz, apontávamos desafios nacionais em todos os setores. Já na segunda edição, mostramos que o país havia voltado ao mapa da fome. Na terceira edição, alertamos para o crescimento das desigualdades, que o Brasil já possuía 55 milhões de pobres e o investimento público em saúde era insuficiente para lidar com a demanda à época. Não é à toa que a Covid-19 está tomando essa proporção”, comenta Alessandra Nilo, coordenadora geral da ONG Gestos e cofacilitadora do GT Agenda 2030.
Foram analisadas 145 das 169 metas da Agenda 2030 – 17 metas não possuem dados para análise e sete não se aplicam ao Brasil. Os especialistas tiveram dificuldades no levantamento de informações devido ao “apagão de dados” no país, uma falta de informações que se reflete na ausência ou ineficiência de políticas públicas, inexistência ou insuficiência de números e/ou séries históricas sobre muitos dos temas.
A versão deste ano traz uma classificação de acordo com a evolução das metas analisadas: retrocesso, quando as políticas ou ações correspondentes foram interrompidas, mudadas ou sofreram esvaziamento nos seus orçamentos; meta ameaçada, quando ações ou inações têm repercussões que comprometerão o alcance futuro dela; meta estagnada, se não houve nenhuma indicação de avanço ou retrocesso significativos estatisticamente; progresso insuficiente, se a meta apresenta desenvolvimento lento, aquém do necessário para sua implementação efetiva; e progresso satisfatório, quando a meta está em implementação e com chances de ser atingida ao final do ano de 2030.
O Relatório Luz mostra que o Brasil caminha na direção contrária dos ODS. Um exemplo disso é que aproximadamente 4,5 milhões de crianças entre zero e 14 anos viviam em extrema pobreza em 2019 no país e 13,38% das crianças com até 5 anos tinham atraso no crescimento devido a deficiências provocadas por alimentação inadequada. Entre as populações rurais, só 40,5% têm abastecimento adequado de água; para 33,5%, o atendimento é precário e 26% (5,6 milhões de pessoas) não têm atendimento de água. E mais: entre 2014 a 2019, a renda do trabalho da metade mais pobre da população caiu 17,1%, enquanto a renda dos 1% mais ricos subiu 10,11%.
“Um aspecto muito interessante do nosso relatório é que ele aponta problemas, mas também apresenta propostas sobre como resolvê-los, com base em evidências. Ao final de cada capítulo são listadas e dirigidas, sobretudo ao governo, recomendações que precisam ser adotadas. Se situação do Brasil, já era desafiadora, agora, mais do que nunca, exige focar no progresso, na paz, no cuidado das pessoas e do meio ambiente. E dizemos isso com muita convicção porque é o que a Agenda 2030 preconiza e ela é completamente alinhada à nossa Constituição Federal. Sem dúvida é a rota que pode ajudar o Brasil, hoje, a sair das múltiplas crises em que se encontra”, diz a também cofacilitadora Laura Cury, da ACT Promoção da Saúde.