É um bom texto para reflexão, foi escrito pela Clarissa, coordenadora jurídica da ACT e publicado no Repórter Diário ABC, em 10/09/08.
“Não há uma guerra entre fumantes e não fumantes, diferentemente do querem fazer crer alguns, servindo aos interesses da indústria do tabaco. O que querem e defendem as lideranças nacionais e mundiais no controle do tabagismo é a proteção à vida e à saúde de fumantes e não fumantes.
Se aparentemente a indústria tabageira defende o alegado “direito” de fumar, mostra outra face quando as vítimas do tabagismo vão à justiça buscar indenização pelos males sofridos. Servida pelos melhores advogados e pareceristas do Brasil e alicerçada pela experiência nacional e internacional em ações judiciais, tem na ponta da língua os argumentos necessários para convencer o senso comum e alguns magistrados.
Estudos científicos e decisões judiciais, contudo, já demonstraram e reconhecem que a publicidade da indústria sempre foi enganosa e abusiva. E continua sendo, porque a publicidade de cigarros está nas ruas, festas e baladas atingindo seu público alvo: os jovens. A publicidade é enganosa também por omissão, pois a indústria do tabaco nunca informou sobre a dependência e os malefícios do cigarro.
Recentemente é que o Governo Federal, e não a indústria, passou a obrigar a advertência em embalagens e peças publicitárias. As imagens de alerta não têm sequer uma década.
A indústria tabagista, por seu turno, contesta a obrigação de advertir através de ação direta de inconstitucionalidade no STF. Busca também com esta ação a volta da publicidade aos meios de comunicação de massa, restrição imposta somente a partir de 2001.
Os fumantes são vítimas do marketing da indústria do tabaco que conta com mais de 100 anos de história e que influenciou o comportamento de todas as gerações do século 20. São vítimas ainda da nicotina, que causa dependência – fato admitido apenas recentemente por parte da indústria. No Brasil, porém, setor da indústria ainda alega judicialmente que “o cigarro não pode ser considerado vício no sentido clássico da palavra”.
Há provas reconhecidas judicialmente de que a indústria do tabaco manipulou a nicotina para que essa atingisse com mais rapidez e eficácia a corrente sanguínea e o cérebro dos fumantes, ampliando a chance e a rapidez com que se tornam dependentes.
O elo de ligação, e não de conflito, entre fumantes e não fumantes está nas descobertas sobre os malefícios do tabagismo passivo. Foi o que declarou Bill Murray, vice-presidente da Philip Morris Companies em 1987: “A poluição tabagística ambiental é a conexão entre fumantes e não-fumantes e, assim, tornou-se a arma mais letal dos antis (ativistas anti-tabagismo)”.
De acordo com a OMS o fumo passivo é a terceira causa evitável de mortes no mundo. No Brasil, pelo menos 7 pessoas morrem por dia em decorrência da exposição à fumaça do cigarro, conforme recente pesquisa do INCA – Instituto Nacional do Câncer.
A restrição ao uso de produtos fumígenos em ambientes fechados tem se mostrado benéfica onde adotada, com redução imediata do número de infartos atendidos pelos hospitais. É também uma medida que desestimula a iniciação dos jovens e contribui para que ex-fumantes não tenham recaída.
Não se trata, portanto, de uma guerra entre fumantes e não fumantes. As medidas de restrição ao fumo visam beneficiar toda a sociedade, incluídos aqueles que fumam.”
Clarissa Menezes Homsi é advogada, mestre em processo civil pela PUC/SP e em política social e desenvolvimento pela London School of Economics, coordenadora jurídica da Aliança de Controle do Tabagismo.
Por esse raciocínio, temos que nos preocupar com a indústria automotiva também. Quantas pessoas morrem nas rodovias e nas cidades, dentro de carros ou atropelados? E a poluição causada pela frota de veículos, que cresce sem parar? E os estudos da OMS sobre mortalidade infantil e doenças respiratórias associadas a altos índices de poluição? Não está na hora de restringir a produção de veículos? O cidadão passa a vida respirando monóxido de carbono e um dia morre. Quando isso acontece, reclamam que o restaurante “tinha área para fumantes”.