Impressões sobre a 71ª Assembleia Mundial da Saúde

Por Paula Johns, Diretora Geral da ACT

A 71ª Assembleia Mundial da Saúde (AMS) foi realizada entre os dias 21 e 26 de maio em Genebra. Nossa diretora geral, Paula Johns, esteve lá e assina este texto.

 

A agenda da Assembleia Mundial da Saúde, que reúne anualmente os países membros da OMS, é sempre muito intensa e a diversidade de temas é grande.

Tratarei aqui dos temas mais relevantes na área da promoção da saúde e das DCNTs. Tendo em vista a realização da Terceira Reunião de alto nível sobre DCNTs na ONU, a ser realizada em 27 de setembro em Nova Iorque, esse foi um dos temas importantes da Agenda. Ainda com relação às DCNTs, tratou-se também do tema de acesso à vacinas e medicamentos e da preparação para a Primeira reunião de Alto Nível da ONU sobre Tuberculose, a ser realizada em 26 de setembro.

 

Discussões

Na página oficial da OMS estão disponíveis todos os documentos discutidos e suas respectivas resoluções.

A importância das DCNTs na agenda global de saúde refletiu-se na quantidade de eventos paralelos relacionados às DCNTs, que neste ano ficaram em torno de 30 – mais informações sobre eles podem ser encontradas na página da NCD Alliance sobre a AMS.

 

Impressões

A dinâmica de negociações diplomáticas multilaterais tem suas peculiaridades e, como em todo processo político, grande parte das negociações ocorre nos corredores e em conversas bilaterais e com a participação ativa dos atores não estatais, que, no atual formato, coloca na mesma categoria atores da sociedade civil sem fins lucrativos e do setor privado com fins lucrativos.

Um dos desafios na área das DCNTs é justamente o que diz respeito, por um lado, ao discurso em torno da participação do setor privado e PPPs como uma estratégia fundamental para dar conta dos custos crescentes que a agenda da saúde e, em particular, das DCNTs, impõe aos governos, e, por outro lado, o fato de que muitas dessas empresas, colocadas como solução para o levantamento de recursos financeiros, são na realidade diretamente responsáveis pelos fatores de riscos associados a essas doenças. No caso do tabaco, há uma compreensão clara e contundente de que a indústria do tabaco não deve ser incluída nas negociações de políticas públicas. Lamentavelmente, o mesmo ainda não é a realidade quando nos deparamos com as empresas de álcool e de alimentos ultraprocessados.

Os desafios coletivos para que a saúde seja tratada como um direito humano e que seja para todos e todas, sem distinção de classe, raça/etnia, nacionalidade ou gênero, não são poucos. Assim como na sociedade como um todo, no âmbito global trata-se de um complexo sistema de relações de poder e de força na costura de decisões, que, preferencialmente pelo sistema ONU, devem ser alcançadas por consenso.

O peso do poder econômico fala alto, e resta então trabalhar coletivamente para que o peso das evidências livres de conflito de interesses, e de medidas que atendam o interesse público, falem ainda mais alto.

Uma das áreas onde essa dinâmica se expressa de forma mais clara é em relação as medidas regulatórias sobre os fatores de risco para as DCNTs. Lembremos que o tabagismo, o consumo excessivo de álcool e a alimentação não saudável têm por trás indústrias e setores poderosos que não medem esforços para aumentar seu mercado. Afinal, pela própria natureza do negócio, precisam vender para dar conta de aumentar a margem de lucro para seus investidores e acionistas. Há quem alegue que as empresas precisam de consumidores saudáveis para poder vender seus produtos, correto, mas lamentavelmente, a dinâmica do mercado não permite que a prioridade das empresas seja priorizar a saúde em detrimento do lucro. Há algo de errado no sistema, pois, para crescer, quanto mais mercado, mais consumidor, mais lucro, mais doença, mais remédio, e assim caminhamos num círculo vicioso que dificulta que as melhores decisões ou regras sejam tomadas para o conjunto da humanidade. Em nome do lucro, destruímos nosso habitat e nossa saúde, e assim seguimos crescendo e lucrando e matando e morrendo.

 

Nutrição materno-infantil e a interferência dos EUA

Retornando do desvio filosófico aos temas de destaque na AMS71, mais uma vez testemunhamos o quanto a democracia de muitos países, com destaque para os EUA, está totalmente capturada pelo poder econômico das grandes transnacionais.

Um dos itens debatidos na AMS 71 foi uma resolução sobre o relatório bianual de implementação do plano de nutrição materno-infantil e sobre como evitar possíveis conflitos de interesses nos programas de nutrição materno-infantis.

O Código internacional sobre marketing de substitutos de leite materno foi adotado há 37 anos pela Assembleia Mundial da Saúde e, apesar do trabalho desenvolvido pela OMS e por organizações da sociedade civil, com destaque para a Rede Ibfan, ele continua sendo sistematicamente violado por empresas fabricantes de substituto do leite materno.

Havia uma proposta de resolução apresentada pelo Equador, e apoiada por mais de uma dezena de países, que foi “voluntariamente” retirada de pauta por chantagem dos EUA em relação a um acordo de comércio com o Equador. A resolução pretendia apoiar os países a adotar medidas que pudessem melhorar os índices de aleitamento e colocar limites nas práticas antiéticas de marketing de substitutos de leite materno. Com a saída do Equador, a Rússia reapresentou a proposta com apoio de aproximadamente 15 países. Foram mais de 10 horas de negociações multilaterais paralelas em que os EUA assediaram vários países, inclusive contatando as chancelarias de vários países da América Latina, usando de chantagem e ameaça para conseguir silenciar o grande número de países insatisfeitos com o que estava acontecendo, mas de mãos atadas com o modus operandi do gigante global que não aceita nenhum tipo de regulação que possa impactar os interesses comerciais de suas empresas.

Portanto, assim como aconteceu na AMS70, assistimos ao mesmo filme, de péssima qualidade, dos EUA minando as políticas mais eficazes para dar conta de reduzir o número de novos casos de doentes crônicos pelo mundo afora.

 

Eventos paralelos

Na agenda dos eventos paralelos, participamos de um evento organizado pela Vital Strategies e intitulado Reduzindo Açúcar, Sal e Gordura para prevenção de DCNTs: Iniciativas Contundentes e Histórias de Sucesso, onde foram compartilhadas as principais políticas regulatórias na agenda da alimentação e nutrição.

Por fim, merece destaque também o lançamento da Campanha Basta [de DCNTs], promovida pela NCD Alliance. A campanha cobra ação de governos e da sociedade para tratar das DCNTs com a urgência e a seriedade que o tema merece.

2 comentários em “Impressões sobre a 71ª Assembleia Mundial da Saúde”

  1. Pingback: Desdobramentos da AMS 71: posicionamento dos EUA contra incentivo à amamentação em destaque no NY Times - ACT

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