Saúde emocional: como não pirar em tempos instáveis

Texto por Ilana Pinsky

Anos atrás, acompanhei o percurso de um amigo e sua família durante o período de diagnóstico da filha pequena com uma doença autoimune. Durante meses, ele, que havia sofrido de ansiedade a vida toda, viu Maria, de 9 anos, transformar-se em uma pessoa queixosa, pouco interativa, recolhida – anos-luz daquela menina saltitante, energética e feliz que tinha sido até então. Como em muitos casos de doenças relativamente raras, com sintomas diversos que se confundem com um grande número de outras condições (seria depressão? um vírus? outras doenças crônicas?), o diagnóstico final veio apenas após muitos meses, dezenas de exames e múltiplas visitas a médicos. A determinação do que se passava trouxe algum alívio para a família. No entanto, aí começava a próxima fase, o processo de definição do tratamento, que incluiu medicações pesadas para voltar a estabilizar o corpo da menina e, o mais importante, uma mudança no estilo de vida que inclui evitar gatilhos para recaídas. 

Já se passaram 8 anos do diagnóstico e Maria, agora uma adolescente, tem estado muito bem. Mas essa experiência obrigou meu amigo a mudar radicalmente sua maneira de lidar com a incerteza. Antes da doença da filha, sua ansiedade disparava com tremenda facilidade, pelos motivos mais diversos (desentendimentos leves com outras pessoas; qualquer situação interpretada como problema no trabalho; quando pensava no futuro, no presente ou no passado). Agora, frente à necessidade de ajudar a filha a desenvolver uma vida emocionalmente mais leve, ele se dava conta que seu modo de lidar com obstáculos e instabilidades simplesmente não funcionava mais. Percebeu, com muita clareza, que tratava situações do dia a dia como se fossem crises. E situações desafiadoras e duradouras, mas enfrentáveis, como se fossem conflitos agudos. Dessa forma, ele vivia constantemente em situação de estresse (o que basicamente significa a saída de um balanço homeostático e a liberação pelo cérebro dos elementos químicos necessários para que o corpo aja rapidamente); frequentemente em situações onde essa resposta imediata do corpo não era imprescindível. Resultado: corpo e cérebro em constante situação de alarme, exaustão emocional e física, raciocínio turvo pela invasão de pensamentos e dificuldade de agir quando emergências realmente aconteciam (não tinha mais energia!).

O livro que escrevi em dupla com Marcelo Ribeiro, Saúde Emocional: como não pirar em tempos instáveis – Editora Contexto, foi em parte pensado como uma reflexão sobre essa e outras experiências que tivemos a oportunidade de acompanhar. Longe de ser uma questão apenas de um amigo, acredito que vivemos em um tempo/sociedade que estimula uma verdadeira proliferação da ansiedade – e isso antes de sabermos o que era a COVID-19! O advento da pandemia exponenciou nosso alvoroço interno, nos colocando, coletiva e individualmente, frente a um mar turbulento e misterioso, em relação ao qual ainda temos muito pouco entendimento e instrumental de enfrentamento. No livro, partimos da pandemia como um exemplo/modelo para discutirmos a maneira que as pessoas respondem a períodos de instabilidades, incluindo grandes adversidades. Como clínicos, trazemos relatos e histórias cotidianas sobre resiliência e flexibilidade emocional, com as quais esperamos que o leitor se identifique. Como pesquisadores, nos debruçamos sobre a literatura científica, desde estudos clássicos até achados bem recentes para chamar a atenção para aspectos do funcionamento mental que passam quase sempre despercebidos ou que foram tratados pelo prisma da autoajuda (perspectiva otimista, conexões sociais) ou outros pouco discutidos (resiliência frente a obstáculos e traumas é muito mais comum do que imaginamos). E, claro, não deixamos de falar da base da saúde: alimentar-se com comida de verdade, livrar-se do tabaco, reduzir o consumo de bebidas alcoólicas e incluir atividade física frequente como parte da rotina. Assim como o diagnóstico médico da filha permitiu que meu amigo transformasse sua narrativa, o desassossego trazido pelo período da pandemia pode abrir a possibilidade da construção de hábitos que façam mais sentido para nosso propósito de vida – ao menos para alguns de nós. 

 

Autora: Ilana Pinsky é psicóloga clínica, terapeuta familiar e pesquisadora na área de políticas públicas das bebidas alcoólicas com algumas décadas de experiência. Colabora constantemente com diversos meios de comunicação sobre saúde pública e saúde emocional. Fez graduação e mestrado na USP e doutorado na Unifesp. É pesquisadora visitante da Escola de Saúde Pública – City University of New York (CUNY). Atualmente vive em Nova York, de onde atende em seu consultório virtual brasileiros que vivem em vários países do mundo.  

Livro: Saúde emocional – como não pirar em tempos instáveis

Autores: Ilana Pinsky e Marcelo Ribeiro | Editora Contexto

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