Brasil estaciona na redução de doenças crônicas, indica Relatório Luz

No país onde mais de 30% da população tinha diagnóstico de hipertensão e/ou diabetes em 2019, as autoridades parecem não ter pressa em poupar vidas, conforme indica a última edição do Relatório Luz, publicado em julho. Ao lado de cânceres e obesidade, essas comorbidades – palavra que ficou especialmente comum no vocabulário do brasileiro em virtude da Covid-19 – já correspondiam a cerca de 72% das causas de morte no país no ano anterior à pandemia.

A quinta publicação do documento foi feita pelo grupo de trabalho da sociedade civil GT Agenda 2030 e revela que estagnamos ou retrocedemos em todas as metas de saúde e bem estar pactuadas pelos países da Organização das Nações Unidas. O diagnóstico é o mesmo para, pelo menos, 70% das demais metas, 169 ao todo. O Brasil não avançou em nenhuma, ficando em retrocesso ou estagnado em mais de 70% delas. Há, ainda, 15 metas que não foram ranqueadas por falta de dados. 

A análise ainda alerta que a taxa de mortes (evitáveis) por doenças crônicas não transmissíveis pode ser agravada por fatores específicos do período pandêmico, como a falta de acompanhamento e tratamento devido ao isolamento social; o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, álcool e tabaco; a inatividade física; e a falta de leitos decorrentes da crise sanitária. Pode porque o Ministério da Saúde ainda não disponibilizou os dados atualizados referentes a essas doenças, reunidos na pesquisa Vigitel, conforme a ACT alertou em nota técnica, o que já representa em si um grave retrocesso para as políticas públicas.

Aumento de uso de tabaco e álcool

Os dados apontam, por exemplo, que 17,6% das população com mais de 18 anos consomem regularmente álcool, em associação a sentimento de tristeza ou à depressão, o que indica uma ameaça à meta de reforçar a prevenção e o tratamento do abuso de drogas entorpecentes e álcool. A taxa já vinha crescendo desde 2006. Mas, nos últimos dois anos, a atenção às pessoas em situação de uso abusivo de álcool tem ficado crescentemente sob responsabilidade de comunidades terapêuticas religiosas, cujos os investimentos feitos pelo governo federal duplicaram.

Mesmo sem os dados de 2020, estudos reunidos no Relatório Luz também revelam aumento de tabagismo entre fumantes em decorrência do estresse, tristeza e depressão associados à pandemia. Não à toa, a campanha da Organização Mundial da Saúde (OMS) reuniu esforços para incentivar os fumantes a cessar o consumo, fator de risco para a Covid-19. 

Tabela distribuição em porcentagem de fumantes:

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) também alertou, em setembro de 2020, sobre o aumento dos fatores de risco para suicídio na pandemia – angústia, ansiedade, depressão, alcoolismo, violência doméstica, abuso de substâncias, sentimentos de perda e facilitação da posse e porte de armas. 

Indicadores da saúde parados ou em queda

Lançado em julho em audiência pública na Câmara dos Deputados, o Relatório Luz faz um retrato das consequências dos seguidos desmontes nas políticas públicas para um desenvolvimento sustentável e mostra os obstáculos que o Brasil enfrenta para assegurar uma vida saudável, com bem-estar para todas e todos, em todas as idades. Nas metas estabelecidas para o terceiro dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável(ODSs), sobre saúde, onde não houve piora, houve estagnação.

Entre os demais dados da saúde, destacam-se o retorno do país ao mapa da fome, o que foi confirmado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com cerca de 100 milhões de brasileiros vivendo em insegurança alimentar, e ainda as falhas na gestão da pandemia da Covid-19, piorada pelo não reconhecimento da gravidade da doença por parte do governo federal. 

Não menos grave, a pesquisa aponta aumento de 5,63% da mortalidade de mulheres gestantes e puérperas (especialmente as negras, com duas vezes mais risco de morte que as brancas), mesmo quando considerado o crescimento geral de mortes por causa da Covid-19. Queda na taxa de cobertura vacinal para cerca de 45% e aumento de casos de mortes de crianças indígenas também levantam alerta.

O grave contexto não, porém, não impulsionou uma gestão mais aceita, conforme destacou o relatório. Da dotação orçamentária total autorizada em 2020 para o SUS, R$ 22,8 bilhões ficaram sem uso.

O levantamento destes dados pode ser feito voluntariamente pelo governo brasileiro. Mas diante de mais uma ausência, a tarefa foi feita pelo GT Agenda 2030, coalizão de 57 organizações e fóruns de todo o país que reúne 106 especialistas. Além da análise das metas, o relatório traz 127 recomendações para que o Brasil avance no cumprimento do que foi pactuado em 2015 na ONU. 

 

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