Por que ainda fazemos campanhas como o Outubro Rosa?

Leoni Margarida Simm, autora deste artigo a convite da ACT, socióloga e presidente voluntária da AMUCC, está em tratamento contra o câncer de mama metastático nos pulmões desde 2001.

O câncer foi durante muito tempo uma doença inominável. Um tema negligenciado. O clamor social contra o câncer estava emudecido, era uma doença da qual se falava aos sussurros e jamais publicamente.

Em 1950, nos EUA, uma sobrevivente de câncer de mama, Fanny Rosenow, pediu espaço para o tema ao New York Times. Queria publicar um anúncio de um grupo de apoio a mulheres com câncer de mama e foi transferida para a coluna social do jornal. “Desculpe Sra. Rosenow, mas o Times não publica a palavra mama, nem a palavra câncer.”

Há quem critique a glamourização do Movimento. Pode até ser, mas mobiliza e será apenas neste mês. Também há que se considerar que somente se consegue apoio para uma campanha pública quando as pessoas passam a ver o tema como relevante e de interesse de toda a população. Por isso, continuaremos com nossas campanhas para que o assunto não seja considerado de menor importância.

Quando olhamos para o passado, nos damos conta e tomamos consciência dos avanços no enfrentamento dessa doença. Existe no Brasil hoje uma Política de Estado para enfrentamento do Câncer de Mama e Câncer de Colo de Útero. Contudo, se não houver vigilância constante sofreremos retrocessos, o que implica em aumento da mortalidade por câncer.

Iniciamos mais uma campanha do Outubro Rosa e o cenário está desalentador para muitos pacientes em tratamento. Medicamentos como o Trastuzumabe, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como essencial no tratamento do câncer de mama, sofrem interrupções de fornecimento desde o terceiro trimestre deste ano. Pacientes recém diagnosticadas esperam para iniciar o tratamento e pacientes metastáticas com um câncer já avançado, disseminado, sofrem interrupção no tratamento, com risco de morte. Em 2018, o Ministério da Saúde incorporou mais um medicamento para prolongamento da vida e qualidade de vida de mulheres com câncer de mama metastático, o Pertuzumabe, associado ao Trastuzumabe, e mais um quimioterápico, Paclitaxel ou Docetaxel, mas até agora não temos o tratamento disponível no SUS.

Embora o trabalho de controle social das organizações de pacientes ocorra o ano todo, neste mês a sociedade (organizações de pacientes, comércio, governos e população em geral) se mobiliza para discutir o tema do câncer de mama. O tema recebe o consentimento social para estar na pauta.

Apesar dos esforços nos últimos onze anos, os avanços escritos nas leis ainda não se concretizam na prática. Ainda estamos chegando tarde para se fazer um diagnóstico, e por isso temos cada vez mais tratamento em estágio avançado da doença, em sua maioria mutiladores e agressivos.

Com a Covid-19, os problemas que já vínhamos denunciando se agravaram. Há um represamento desde a mamografia até exames de diagnóstico, o que retarda sobremaneira o início do tratamento e o fornecimento de terapias atualizadas. A paciente é duplamente discriminada: primeiro por não ter tido acesso e, segundo, por ter chegado tarde, irá receber tratamentos ultrapassados.

A boa notícia é que hábitos de vida podem fazer a diferença. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer, hábitos saudáveis podem ajudar a evitar aproximadamente 30% dos casos de câncer de mama. Mesmo que você venha a receber um diagnóstico de câncer, seu enfrentamento será melhor. Sua imunidade será maior e também sua disposição durante os tratamentos.

Desde 2011, nos juntamos à ACT Promoção da Saúde para disseminar informações sobre hábitos saudáveis de vida, como ingerir alimentos saudáveis, frutas, verduras e legumes, de preferência orgânicos, diminuir o consumo do sal, açúcar, das gorduras e eliminar da sua dieta os alimentos ultraprocessados, mantendo seu peso saudável, eliminar o cigarro, evitar o consumo de bebidas alcoólicas e praticar exercícios físicos regularmente.

O corpo que possuímos é resultado da herança genética associada à qualidade da vida que levamos. É necessário entender que nosso bem-estar é reflexo dos cuidados diários que dedicamos a nossa saúde.

As iniciativas individuais são importantes, contudo, precisam de ambientes adequados para serem implementadas e isso somente se consegue quando há políticas que garantam os hábitos saudáveis de vida.

São necessários entornos saudáveis, melhores meios de transporte, espaços públicos para atividades físicas, produção de alimentos orgânicos e sua disponibilização, fiscalização sobre o marketing das indústrias de alimentos, tabaco, álcool e bebidas açucaradas com leis que as inibam, e aumento de impostos sobre produtos nocivos à saúde.

O caminho é longo, mas já iniciamos a jornada.

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