Dependência química não é brincadeira

Recentemente, as redes sociais foram invadidas com postagens de piadas e brincadeiras com a dependência química do ator Fábio Assunção, o que levou diversos artistas a um ato de solidariedade a ele. O argumento que os artistas estão usando é que ninguém faz piada com câncer, e não se deveria fazer com dependência, igualmente uma doença. De fato, nenhuma dependência deve ser alvo de chacota. É um assunto sério, tratado de forma banal.

Duas substâncias que causam forte dependência química são o álcool e o tabaco, as mais usadas globalmente, com produção, venda e consumo legais na maior parte dos países.  

O tabagismo  é relacionado a vários tipos de câncer, doenças cardiovasculares, como infarto, hipertensão, derrame ou AVC, diabetes, doenças pulmonares obstrutivas crônicas, entre outras.

De acordo com estudo do Instituto Nacional de Câncer e Fundação Oswaldo Cruz (1),  tendo como base dados do IBGE e do SUS de 2015, o fumo é responsável por 156.216 mortes anuais, o equivalente a 428 mortes por dia, no Brasil. Este valor representa 12,6% das mortes anuais.  

O prejuízo econômico é de R$ 56,9 bilhões, por ano. Desse total, R$ 39,4 bilhões são gastos com despesas médicas e R$ 17,5 bilhões com custos indiretos ligados à perda de produtividade, como  incapacidade ou morte prematura. Os números significam quase 1% de todo o PIB nacional.

Esse estudo, entretanto, é a ponta do iceberg, pois estimou o custo de apenas 17 doenças causadas pelo fumo.

As empresas de tabaco alegam que pagam impostos e contribuem para o crescimento do país. O Brasil arrecadou em impostos federais com tabaco cerca de R$ 13 bilhões no ano do estudo. Isso cobre 33% dos custos diretos provocados pelo tabagismo ao sistema de saúde, e representa somente 23% do gasto total com as doenças geradas pelo fumo.

Em relação ao álcool, as consequências de seu uso vão além do dano para a saúde da pessoa que o consome, mas acabam atingindo a família, a sociedade e o trabalho, e traz muitas consequências, como o absenteísmo, a diminuição da renda familiar, a redução da capacidade de cuidar da família e o impacto na saúde mental da pessoa e dos familiares, além das questões relacionadas com o trânsito e violência.

Pesquisa do IBGE de 2016 mostrou que metade dos adolescentes brasileiros já tinha experimentado o álcool e 21,4% já tinham pelo menos um episódio de intoxicação.

Para a psicóloga e presidente da Associação Brasileira de Álcool e outras Drogas, Sabrina Presman, o álcool é prejudicial como qualquer outra droga nessa faixa etária, até porque o cérebro ainda está em formação e a apresentação a uma substância nociva aumenta o risco da pessoa se tornar dependente, em comparação com quem foi apresentado ao álcool e outras drogas na idade adulta.

No Brasil, temos um agravante: de acordo com a lei 9.294, de 1996, bebida alcoólica é definida como qualquer bebida potável com teor alcoólico superior a 13 graus Gay lussac. A partir desta definição fica excluída cerveja (que tem entre 4 e 5 º GL), vinho (12), bebidas ice e coolers.

A publicidade e propaganda e a promoção em eventos patrocinados pela indústria do álcool causam muitas vezes uma imagem positiva da bebida, como era feito com cigrros. Estratégias como happy hour e open bar, vendas em grande quantidade para consumidores individuais, oferta gratuita em eventos e medidas promocionais são muito danosas para a saúde. Há absurdos de até festas de 15 anos terem open bar e uma ambulância na porta, o que é um contrassenso, já que as bebidas alcóolicas são proibidas para menores de idade.   

Da mesma forma que acontece com o tabaco e produtos ultraprocessados, as evidências mostram que o aumento do impostos e, consequentemente, de preço, impactam na redução do consumo. Muitas vezes, as bebidas são muito acessíveis, principalmente no Brasil, e uma política de preços e imposto é importante para diminuir o consumo.

Há várias medidas que precisam ser tomadas, tanto em controle do tabagismo quanto no do álcool. Mas, definitivamente, não dá para tratar dependência química com deboche. É preciso respeito com quem sofre dessas doenças.

  1. http://actbr.org.br/uploads/arquivo/1169_apresentacao_custo.pdf

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