Café amargo

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Ainda neste ano, os apaixonados por café poderão encontrar nas prateleiras dos mercados grãos de uma safra especial da Bahia, com notas mais amargas do que de costume. Não se trata de uma variação do tipo de café, das condições climáticas do local ou da torra, mas sim do histórico de socialwashing da Nescafé, braço da multinacional de alimentos Nestlé.

O novo café da linha “Origens”, produzido na Chapada Diamantina, na Bahia, vem sendo divulgado como “o primeiro produto social de cafés do mundo”, ligado ao projeto Fazedores de Café, uma ação da empresa que visa capacitar jovens para atuar no mercado do café, do cultivo ao preparo de bebidas super premium. Os grãos do chamado café social foram colhidos por jovens agricultores da região e toda renda obtida com a venda do produto será revertida ao Fazedores de Café.

“Temos uma convicção muito grande de que nós, como empresa, podemos transformar a sociedade e a vida das pessoas e isso está em nosso DNA desde 1921”, disse o CEO da Nestlé Brasil, Marcelo Melchior, na última Semana Internacional do Café, realizada em novembro de 20022. Ele não citou, porém, diversos casos de violações de direitos ligados à empresa.

Na lista contam flertes com trabalho análogo à escravidão, trabalho infantil e despejo de comunidades rurais. E ela vai além: a Nestlé é hoje, ao lado da Pepsico e da Coca Cola, uma das maiores poluidora de plásticos do mundo, segundo a auditoria Break Free From Plastic, que acusou a empresa de “progresso zero” na redução de resíduos de plástico.

Uma investigação jornalística conduzida pelo Channel 4, do Reino Unido, identificou crianças e adolescentes trabalhando em lavouras que forneciam café para a fabricação do Nespresso, em 2020, na Guatemala. Antes disso, em 2018, a empresa e mais seis multinacionais do ramo de ultraprocessados foram denunciadas à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) por explorarem trabalho análogo à escravidão em lavouras de café no Brasil.

Logo depois, houve mais um caso, este na fazenda Cedro II, no Triângulo Mineiro, que entrou na “lista suja” do trabalho escravo do governo federal, em abril de 2019. Na época, a Nestlé suspendeu a compra do café da fazenda, que até então era certificada com selo de qualidade pela empresa.

Em agosto de 2020, durante uma das fases mais restritivas da quarentena para conter a covid-19, o acampamento Quilombo Campo Grande, no sul de Minas Gerais, onde viviam 450 famílias, foi alvo de despejo, com dezenas de viaturas e policiais. A Nestlé era uma das maiores compradoras de café de uma grande fazenda da região, cujas atividades ameaçam a plantação de café orgânico do quilombo.

A Nestlé é uma das maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo, presente em pelo menos 190 países, com 200 marcas. Ela, e outras gigantes dos ultraprocessados, precisam urgentemente alinhar suas ações sociais às práticas do negócio, garantindo que a proteção aos direitos não seja apenas um produto de marketing.

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