Um pouco de história…

Texto de Jaqueline Issa, publicado no Jornal da PUC Campinas

O Brasil, apesar de ser grande produtor e exportador de tabaco, tem atuação exemplar na redução da prevalência do tabagismo nos últimos anos. O percentual de brasileiros fumantes na década de 90 chegava a 30% da população adulta, atualmente, são cerca de 20%. Somos o país com a maior taxa anual de redução de fumantes, segundo a Organização Mundial de Saúde.

O marco inicial e decisivo dessa política eficaz de controle do tabagismo ocorreu no final da gestão do então ministro da Saúde, Henrique Santillo, em dezembro de 1994. Esse médico, nascido em Ribeirão Preto, formado em Medicina em Minas Gerais, ex-governador do Estado de Goiás, sabia o que era preciso fazer e fez, determinando a restrição legal da propaganda comercial do tabaco e seus derivados.

Foi o começo de uma história de conquistas na luta de controle do tabagismo no Brasil. Com a saída de Santillo, Adib Jatene assumiu o cargo de ministro da Saúde em janeiro de 1995 com missão quase impossível de resolver a “batata quente deixada pelo seu colega”. As empresas de publicidade e a indústria do tabaco estavam enlouquecidas com as ameaças de redução de seus lucros caso o decreto virasse lei. A panela de pressão fervia, como ferve agora com a aprovação da lei antifumo no Estado de São Paulo. Repeteco dos mesmos argumentos, defendidos teatralmente por alguns advogados: “Estado não pode interferir na liberdade de expressão, fere o direito de liberdade”, para não dizer o que realmente pensam: “Vocês querem acabar com nosso negócio”.

O fato é que Jatene conseguiu, de forma estratégica, apoio para aprovar a Lei Federal n° 9294, que proíbe fumar em ambientes fechados públicos e privados, mas que ainda permitia os “fumódromos”. Uma grande conquista para a época, embora saibamos que, do ponto de vista técnico, a criação dos “fumódromos” não conferiu proteção à exposição passiva à fumaça do cigarro e não desestimularia o seu consumo. De qualquer forma, determinou a primeira mudança comportamental expressiva na sociedade brasileira, tão condescendente com o tabagismo, mas que começava, a partir desse momento, a incorporar o entendimento que a fumaça do cigarro prejudicava sua saúde.

José Serra assumiu o Ministério da Saúde, em 1998, e deu continuidade à política de combate ao tabagismo de seus antecessores. Novas conquistas e avanços, a proibição total de propaganda de cigarros nos meios de comunicação; a contrapropaganda, com fotos sobre os malefícios do cigarros nos maços de cigarro; a proibição do uso de expressões mal-intencionadas como “ light”, “suave” e “ultrassuave”.

Em 2003, a Organização Mundial de Saúde organizou a Convenção–Quadro, um tratado Mundial para controle da epidemia Tabagística no Mundo. O Brasil aderiu ao tratado em 2003 e o ratificou no final de 2005. Escrevi tudo isso para dizer que a Lei Estadual 13.541, a lei antifumo do Estado de São Paulo, atende às prerrogativas de um país que é signatário da Convenção-Quadro, que como tal, prevê a adoção de medidas legislativas, executivas e judiciárias para combater a epidemia tabagística que assola o mundo e que torna o tabagismo ativo a primeira causa evitável de morte e o tabagismo
passivo a terceira causa evitável de morte.

A lei tem como foco central a proteção dos não fumantes à exposição passiva, mas também promove alterações no comportamento dos fumantes ao desestimular o seu consumo. Possibilita que o fumante perceba seu grau de dependência a nicotina. Adicionalmente, é provável que reduza a prevalência do tabagismo entre os jovens, pois transforma ambientes que antes eram propícios aos rituais de iniciação ao tabagismo em ambientes livres da fumaça do cigarro.

Especificamente no município de São Paulo, esperamos redução de mil a 3 mil óbitos por derrame cerebral e infarto nos próximos 12 meses, tanto em fumantes quanto em não fumantes, em função da adoção da lei. Nossa expectativa é a redução de 10% a 30% desses eventos, resultados observados em locais onde leis semelhantes foram implementadas.

O fato é que após mais de um mês de aprovação da lei, o apoio a mesma é expressivo. A melhora da qualidade do ar nos ambientes fechados é observada pela quase totalidade de seus usuários e trabalhadores. Ninguém mais tem que chegar da balada e tomar banho, e lavar a cabeça por estar fedendo a fumaça do cigarro. Já valeu a pena.

Para finalizar, sei que essa lei antifumo causou confusão até lá no céu. Tem um monte de médico velhinho comemorando aprovação da lei, como José Rosemberg, Mário Rigatto e Henrique Santillo, mas
também deve haver um monte de fumante inconformado dizendo: “Pô, por que que essa lei não foi aprovada antes?”.

Jaqueline Scholz Issa é diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do InCor (Instituto do Coração) de São Paulo.

Jornal da PUC Campinas, ano V numero 92, 14 a 27 de setembro de 2009
http://www.puc-campinas.edu.br/rep/imprensa/jornaldapuc/JornalPUCCampinas_edicao092.pdf

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