Política de saúde e (ou) bebida: artigo que se aplica também ao tabaco

Transcrevo o excelente editorial que foi publicado domingo, dia 05 de fevereiro de 2011, no Correio Braziliense, comentando afirmações do novo Ministro da Saúde. O tema abordado é do álcool, mas a semelhança com a questão do tabaco é grande.

Foi escrito por ILANA PINSKY, Professora afiliada da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e outras Drogas (Abead) e RAUL CAETANO, Doutor em saúde pública, reitor regional e professor de epidemiologia da Escola de Saúde Pública, Universidade do Texas.

Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em vez de restringir a publicidade de cerveja, ele prefere uma aproximação com a indústria do setor para promover o consumo responsável. É verdade, estava na edição de 29 de janeiro de um jornal de São Paulo: “A política fundamental é você ter parcerias para promover o hábito saudável. Esse é o mais efetivo resultado que pode existir. Não sou nem contra nem a favor da restrição da publicidade da cerveja”.

Com todo o respeito, para se sair com essa, dá a impressão de que o ministro foi mal assessorado. Esse é um campo em que já se sabe muito em relação ao que é efetivo. Para começar, não há, nem pode haver, parceria possível entre a indústria do álcool e a saúde pública, uma vez que aí há uma contradição de interesses: de um lado está a indústria querendo ampliar o seu mercado, aumentar suas vendas (algo legítimo numa sociedade de mercado). Já o interesse da saúde pública é diminuir os problemas relacionados ao álcool, e isso só pode ser feito por meio da redução do consumo global de bebidas alcoólicas em um país.

A equação é relativamente simples: quanto mais se bebe, quanto antes se começa a beber, quanto mais a propaganda insinua que beber torna os consumidores conquistadores de loiras de biquíni, maiores são os problemas de saúde pública de um país (custo hospitalar, ausência do trabalho, violência familiar, crimes fúteis, acidentes de automóvel e de trabalho) e mais graves são as consequências para seu povo. Quem tem (e quem não tem?) alguém na família, na vizinhança ou no trabalho, com problemas decorrentes do uso do álcool, sabe do que estamos falando.

Mais uma vez, e antes que nos acusem de moralismo: ninguém é contra que se beba socialmente (mas socialmente mesmo), que o álcool possa ser um dos ingredientes de uma celebração. Mas a propaganda livre da bebida relaciona-se com o consumo abusivo e precoce do álcool, e isso já está mais do que provado em numerosas pesquisas feitas em muitos países, inclusive no Brasil, cujos resultados estão à disposição da assessoria do ministro. E o problema é que sua fala pode propiciar alguns programas ineficientes, mas de impacto junto ao público, que terá a ilusão de que realmente está se fazendo algo para atingir os graves problemas de abuso de álcool no Brasil.

Tudo aquilo que pode funcionar e tem funcionado na área de política pública do álcool está em um livro escrito pelos mais importantes pesquisadores independentes do planeta (nenhum deles é patrocinado pela indústria do álcool, é claro). Trata-se de Alcohol, no ordinary commodity” (O álcool não é um produto como outro qualquer). Lá verificamos que, para reduzir os problemas relacionados ao álcool, é necessário: aumentar os impostos do produto (aumentando assim seu preço final, que é ridiculamente barato no Brasil), restringir ou mesmo banir a publicidade, reduzir os locais e horários de venda e o acesso ao produto (há milhões de pontos de venda no Brasil, inclusive na beira de estradas e os menores de idade compram livremente). Educação em escolas e campanhas educativas na mídia apenas funcionam se forem adendos aos programas acima. Caso contrário, só nos fazem sentir bem, mas não são eficazes. O que é popular e soa bonito nem sempre funciona. O que soa feio e restritivo, nem sempre deve ser descartado.

As políticas eficazes acima não são (oh, surpresa!) apoiadas pelas indústrias, que certamente não têm interesse em medidas que possam implicar ameaça aos seus lucros espetaculares. Devidamente orientadas sobre o que não é eficaz, mas sai bem na foto, elas apoiam a educação e praticam responsabilidade social para mostrarem como querem colaborar. Mas medidas fundamentais, decisivas, é claro que as indústrias não apoiam.

Restringir drasticamente a propaganda de bebidas alcoólicas pode parecer antipático em um país em que a simples ideia de censura é assustadora e nos faz lembrar páginas da história que não queremos reviver. Mas, convenhamos, identificar o consumo de bebida com esperteza, boa forma, grande desempenho sexual, etc, não é se utilizar do direito de expor ideias, mas é mentir deliberadamente. Beber envelhece precocemente, não deixa ninguém em forma e pode até aumentar a vontade, mas seguramente diminui o desempenho sexual. E alguma propaganda de bebida diz essas coisas?

Países emergentes, com mercados imaturos e poucos regulamentos, entre eles, e com destaque, o Brasil, têm sido os locais procurados pelas companhias multinacionais de álcool para aumentar seus ganhos. As evidências demonstrando o impacto dos crescentes níveis de publicidade do álcool no recrutamento de jovens bebendo pesadamente indicam que é urgente a necessidade de desenvolvimento de políticas efetivas. Tais ações incluem o estabelecimento de um marco regulatório informado pelos achados científicos, sem a interferência das indústrias. Não se pode servir a dois senhores.

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