Luta diária de quem tenta deixar o vício

Seis meses depois de a lei antifumo entrar em vigor, três paulistanos contam suas batalhas pessoais contra o cigarro

Em seis meses de lei antifumo, que proíbe o cigarro em espaços fechados em São Paulo, foram várias as tentativas de impedir a legislação de vigorar –no total, 27 pedidos de liminares foram protocolados, solicitando liberação do fumo no Estado. Nenhum deles, porém, foi aceito pelo Judiciário e até aqui o Estado vence tranquilamente a guerra nos tribunais. Algo diferente ocorre nas pequenas batalhas particulares, nos embates diários de quem luta para largar o fumo. Guerra contra o próprio corpo que se mostra, frustração após frustração, bem mais difícil. Entre julho e agosto do ano passado – até que a lei entrou em vigor, em 7 de agosto –, acompanhamos a trajetória de três paulistanos,que tentavam abandonar o vício. Em 26 dias de contatos telefônicos diários, Aparecida Santucci dos Passos, de 43 anos, Alex do Nascimento, de 31, e Elton Isaac dos Santos, de 40, relataram suas frustrações e dúvidas, enquanto tentavam finalmente chegar à categoria de ex fumantes. Na época, conseguiram avanços, diminuíram quantidades, mas o cigarro continuava presente em suas vidas. Seis meses depois, nenhum dos paulistanos conseguiu parar – continuam entre os cerca de 2 milhões de moradores da cidade que fumam, segundo a Pesquisa Especial de Tabagismo, realizada no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Aparecida está frustrada por ter recaído no vício após quatro meses de abstinência, diz se sentir “fraca” e relata “medo” de tentar novamente. Alex sente falta de “algum incentivo a mais” para conseguir largar os poucos cigarros que ainda fuma. E Elton diz que falta pouco, mas ainda não “tomou vergonha na cara” o suficiente. Em comum, todos dizem que ainda
vão conseguir. Outra opinião comum entre os três é a de que não foram influenciados pela nova lei na decisão de parar de fumar. Eles relatam, porém,que ver menos pessoas fumando nos lugares que frequentam ajuda a manter afastada a tentação. “Fumante e ex-fumante, quando vê alguém com cigarro na boca, sente vontade na hora de fumar”, diz a cardiologista Jaqueline Issa, coordenadora do Ambulatório de Tratamento do Tabagismodo Instituto do Coração (Incor). “Manter quem está se tratando longe da tentação é outro mérito da lei.” Acompanhe, abaixo, um pouco do drama de quem tenta, há pouco mais de sete meses, deixar o vício de lado. A primeira iniciativa foi esconder os cigarros numa fonte no quintal de casa, na Mooca, zona leste de São Paulo. Mas o vício era tanto para quem fuma desde os 14 anos que só o barulho da água fazia voltar a vontade. A solução foi despistar a fissura, guardando os maços no armário.

A dona de casa Aparecida Santucci dos Passos, de 43 anos, experimentou várias táticas. Com medicamentos e distante de tudo que a lembrasse de cigarro, ficou quatro meses sem fumar. Acompanhada pelo Estado entre julho e agosto, ela dizia ter dois apoios: família e água – quando a vontade batia, tomava um copo. Foi como enganou o vício entre agosto e dezembro. Até que, no começo de dezembro, filho teve de operar o joelho por causa de umac ontusão de futebol. Aparecida lembrou de um irmão que perdeu a perna esquerda por causa de tétano. Ela ficou tensa. Numa noite, foi ao quintal e reacendeu o vício. “Foi um fracasso enorme. Sinto medo de tentar e fracassar novamente. Mas tracei meu objetivo: agora é isso que tenho de vencer, e vou vencer.” Ela não vai ao Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) desde novembro. Também não toma mais medicamentos. E estacionou em 11 cigarros por dia. “Sei que só vou parar com remédios. Pretendo voltar ao Cratod até dia 15, parar e tomar o tratamento com fluoxetina (remédio contra depressão) e Ansitec (contra ansiedade)”, disse.“Não desisti.” Ela conta com a família e a água. “Mas vou adicionar força de vontade e um novo hobby.”Praticará tênis no Parque da Mooca. “Vou ficar tão cansada que não terei força nem para levar o cigarro à boca.”

O professor Elton Isaac dos Santos, de 40 anos, tem convivência íntima com o cigarro. É uma de suas armas na luta para tirar crianças e adolescentes do mundo do crack, no instituto de caridade no qual trabalha, na zona leste de São Paulo. “A maioria deixa o crack e vai direto para o tabaco. É uma forma de redução de danos, e entendemos isso como natural”, diz. “O problema é quando alguém que não tem problemas maiores não consegue deixar esse vício.” Santos se refere a ele mesmo. Diminuiu o cigarro a cinco unidades diárias, mas ainda cai na tentação quando as tragadas vêm junto com a cerveja do fim das tardes. “Isso é que me mata”, desabafa. Nesses momentos, pode vir a fumar até meio maço – algo inaceitável, ele diz, vergonha na cara”. Mesmo com os alunos chamando sua atenção, como relatou ao Estado em julho e agosto do ano passado, ainda não conseguiu ir até o fim no tratamento. “Usei os adesivos no braço até que a progressão chegou a um nível mínimo de nicotina. Agora é por minha conta, preciso me dedicar mais”, diz o professor, que frequenta o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) para acompanhamento psicológico. “Fiquei no máximo quatro dias sem cigarro, mas estou trabalhando para isso aumentar pouco a pouco”, conta. “A próxima meta é ficar uma semana sem fumar. E, depois, mais e mais. Vou conseguir.”

O problema de Alex do Nascimento, de 31 anos, não é mais os três maços de cigarro que costumava fumar a cada semana desde a adolescência–a dificuldade atual é largar os míseros dois cigarrinhos, que fuma para “começar e terminar bem” o dia. “O mais complicado é deixar o hábito. Quero parar de fumar, vou parar de fumar, mas ainda não sei quando. Acho que no momento em que decidir que quero mesmo não vai ter para ninguém. Falta só um pouquinho de força de vontade”, admitiu. Alex é daqueles que não acredita ser, como disse, “quimicamente viciado”em cigarro. “Fumo mais pelo prazer”, justificou. “Não acho que preciso de tratamento.” Nos 30 dia sem que o Estado o acompanhou, entre julho e agosto, Alex repetia diariamente que pararia de fumar “em breve”. Quatro meses depois, o prazo estabelecido ainda é relativo. “Continua sendo em breve”, disse.“Talvez até o fim do ano largo esses últimos dois que faltam.”

Fonte: DOMINGO, 7 DE FEVEREIRO DE 2010, O ESTADO DE S. PAULO

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