ACT e organizações da sociedade civil entregam manifesto contra publicidade infantil ao Ministério da Justiça

Com o intuito de preservar a proteção da criança frente à exploração comercial, organizações da sociedade civil protocolaram no dia 04 de março o manifesto “Publicidade Infantil já é Ilegal”, contra a proposta de portaria sobre publicidade infantil elaborada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. O documento é assinado pela ACT Promoção da Saúde, pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e por mais de 90 organizações da sociedade civil, e ressalta que a publicidade dirigida à criança já é proibida no Brasil. 

A proposta da Senacon desconsidera princípios e boas práticas esperados de um órgão da administração pública voltado à defesa do consumidor: a participação ampla, transparente e aberta de outras instituições especialistas nesse debate e uma redação original e colaborativa. As organizações afirmam que o texto como apresentado pode abrir espaços para que as empresas possam dirigir anúncios diretamente ao público infantil, sem a mediação de pais, mães ou responsáveis, se aproveitando da hipervulnerabilidade das crianças, que não conseguem ainda compreender as intenções persuasivas por trás das mensagens publicitárias.  

“A publicidade dirigida a crianças já é proibida no Brasil, pelo Código de Defesa do Consumidor. A legislação existente, que é suficiente e adequada, e vale para o ambiente digital, visa à proteção da infância em relação aos interesses comerciais. O que falta é a fiscalização efetiva dos órgãos de defesa do consumidor, pois o próprio STJ já reconheceu a abusividade no direcionamento da comunicação mercadológica ao público infantil. A publicidade de alimentos, em especial de produtos ultraprocessados, voltada para o público infantil, possui papel reconhecido entre as causas do desenvolvimento de excesso de peso nessa fase da vida”, diz Adriana Carvalho, diretora jurídica da ACT Promoção da Saúde.

“Em diversos países, inclusive membros da OCDE, já foram criadas regras rigorosas para a proteção das crianças contra os apelos consumistas dos anunciantes. A proposta da Senacon, valorizando a autorregulação, é um retrocesso de todos esses avanços no Brasil e no mundo, e a falta de transparência desse processo macula a imagem do Ministério da Justiça que tem o papel de, além de proteger os consumidores e as crianças, combater conflitos de interesse na Administração Pública”, ressalta Igor Britto, advogado e Diretor de Relações Institucionais, do Idec.

 “A publicidade infantil é ilegal e não há justificativa cabível para relativizar isso. Importante, sim, é aumentar a fiscalização dessa prática, fortalecendo a atuação dos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, para que as crianças e suas famílias tenham liberdade para decidir sobre produtos e serviços. São nossas crianças que precisam de proteção, não as empresas interessadas em explorá-las comercialmente”, ressalta Livia Cattaruzzi, advogada do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana.

Confira abaixo o manifesto completo e as organizações signatárias

A publicidade dirigida à criança já é proibida no Brasil1. A maioria da população2 é contrária a essa prática publicitária antiética das empresas e a justiça brasileira, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, reforça a proibição em cada novo caso apresentado, honrando o compromisso do Estado com a proteção da infância.  

Não há dúvidas sobre as consequências desastrosas da comunicação direta entre empresas e  crianças por meio da publicidade. Atravessando a relação familiar e a autoridade de pais, mães e responsáveis, algumas marcas se aproveitam da falta de maturidade do público infantil para apresentar, com uso de personagens, distribuição de brindes e outros recursos publicitários, estímulos consumistas que usam as crianças como ferramenta de convencimento dos responsáveis na compra de produtos. 

As empresas se aproveitam do fato de que crianças até 12 anos, indivíduos hipervulneráveis, inclusive pelo desenvolvimento cerebral inconcluso, não conseguem discernir os limites entre o conteúdo de entretenimento que acessam e as mensagens publicitárias, nem compreender suas intenções persuasivas. A expectativa, angústia e estresse familiar gerados por essas mensagens, em diferentes espaços de socialização da criança (até mesmo nas escolas) e em diversas mídias (da TV à internet), se somam, muitas vezes, aos danos diretos causados pelos próprios produtos – como no caso de produtos alimentícios de baixo valor nutricional, cujo consumo habitual e excessivo leva à obesidade infantil e doenças crônicas não transmissíveis. 

É por isso que nos espanta a Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon, órgão máximo do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, vinculado ao Ministério da Justiça, apresentar uma proposta de regulamentação da publicidade infantil que ignora a legislação existente, desconsidera todo acúmulo de pesquisas e estudos conceituados e, ainda, parece querer enfraquecer as regras atuais. O texto abre espaço para que empresas possam, em casos específicos, falar diretamente com a criança, sem a mediação de pais, mães ou responsáveis. 

Além de ferir a legislação existente, a proposta desconsidera princípios e boas práticas esperados de um órgão da administração pública voltado à defesa do consumidor: uma participação ampla e aberta de outras instituições especialistas nesse debate e uma redação original e colaborativa, em vez da transcrição de trechos do código de autorregulamentação publicitária.

Iniciativas afoitas levam ao desperdício de recursos e energia explicando o que já deveria estar claro: a publicidade infantil é ilegal e não há justificativa cabível hoje para relativizar isso. Fiscalizar a prática seria garantir que as crianças e suas famílias tenham liberdade para decidir sobre produtos e serviços, sem a influência  de práticas notoriamente abusivas. São nossas crianças que precisam de proteção, não as empresas interessadas em lucrar com sua falta de discernimento e maturidade.

 

Assinam o manifesto:

5 Elementos – Instituto de Educação para a Sustentabilidade

ACT Promoção da Saúde

Agência Fervo

Aleitamento.com

Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável

Aliança Pela Infância – Núcleo Holambra

AMOR Pinheiros – Associação de Moradores de Pinheiros

AMSK/Brasil

ANDI – Comunicação e Direitos

APAE Luis Correia-PI

Artigo 227

Associação Bragança Mais

Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê

Associação Brasileira de Procons – ProconsBrasil

Associação dos Procons Catarinenses

Associação dos Procons Paulistas

Associação Cidade Escola Aprendiz

Associação Franciscana de Assistência Social Coração de Maria

Avante-Educação e Mobilização Social

Bloco Deixa que Eu Cuido

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

CCIAO – Casa de Cultura Ilê Asé D’Osoguia

CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular

CEIIAS – Centro de Estudos Integrados, Infância, Adolescência e Saúde

Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan

CEPAGRO – Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo

Cinco Estrelinhas Escola de Educação Infantil

Conselho Federal da OAB – Comissão Especial de Defesa do Consumidor

Conselho Federal de Serviço Social

Eludicar Centro Pediátrico

Escola de Educação infantil Educare

Espalhe a Esperança

Família Palmito

Fascia_mediação em artes do movimento

Fian Brasil

FNPETI – Forum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil

Fórum dos Procons Paranaenses

GAJOP – Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares

Gestos

Grupo de Pesquisa em Sistemas Alimentares Sustentáveis da Universidade Federal de São Paulo

IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

IFAN – Instituto da Infância

Instituto Alana

Instituto Avisa Lá Formação Continuada de Educação

Instituto Brasileiro de Direito da Maternidade

Instituto Brasiliana

Instituto Cultura Etc.

Instituto Desiderata

Instituto Defesa Coletiva

Instituto Fazendo História

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Laboratório de Pesquisa da Relação Infância, Juventude e Mídia

MILC – Movimento Infância Livre de Consumismo

Movimento BH pela Infância

Movimento pela Saúde dos Povos

MUDA – Movimento Urbano de Agroecologia

Núcleo Interdisciplinar de Prevenção de Doenças Crônicas na Infância – Pró-Reitoria de Extensão UFRGS

NUPPRE – Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições da Universidade Federal de Santa Catarina

OAB Patos de Minas

Observatório da Mídia

Observatório da Mulher

Observatório sobre Publicidade e Sociedade

Política é a Mãe

Procon Estadual da Bahia

Procon Municipal de Anchieta

Procon Municipal de Arapiraca

Procon Municipal de Araucaria

Procon Municipal de Boa Vista

Procon Municipal de Cachoeirinha

Procon Municipal de Campina Grande

Procon Municipal de Carazinho

Procon Municipal de Cedral

Procon Municipal de Congonhas

Procon Municipal de Conselheiro Lafaiete

Procon Municipal de Divinópolis

Procon Municipal de Embu das Artes

Procon Municipal de Florianópolis

Procon Municipal de Guaiuba

Procon Municipal de João Monlevade

Procon Municipal de Maceió

Procon Municipal de Parauapebas

Procon Municipal de Patos de Minas

Procon Municipal de Ribeirão Preto

Procon Municipal de Rio Pomba

Procon Municipal de Santa Maria

Procon Municipal de Santo Angelo

Procon Municipal de Santos

Procon Municipal de São Carlos

Procon Municipal de São Luiz Gonzaga

Procon Municipal de São José dos Campos

Procon Municipal de Timbó

Procon Municipal de Trindade

Procon Municipal de Vitória

RebrincRede Brasileira Infância e Consumo

Rede Conhecimento Social

Rede Não Bata Eduque

Renap – Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares do Ceará

Sindicato dos Nutricionistas do Estado de São Paulo

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1 A Constituição federal estabelece a defesa da infância como prioridade absoluta, ideia que é amparada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Convenção Internacional sobre os direitos das crianças da ONU. Especificamente nas relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Legal da Primeira Infância e a Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) consideram abusiva e ilegal a prática de direcionar publicidade a crianças.

2 ACT/Datafolha 2016

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