A outra face da indústria do tabaco

A Dra.Margaret Chan, que é Diretora geral da Organização Mundial de Saúde fez um discurso contundente na abertura da 15a Conferência Mundial Tabagismo ou Saúde, em 20/03/2012, em Cingapura. Segue a transcrição:

Excelentíssimos, ministros honoráveis, distintas delegações, membros da sociedade civil, senhoras e senhores, eu tenho o prazer de fazer a abertura da 15ª Conferência Mundial Tabagimo ou Saúde. Eu agradeço o Comitê de Promoção da Saúde de Cingapura por organizar este evento e estou satisfeita pela OMS colaborar com o suporte técnico. Esta conferência está sendo realizada num momento em que estamos somando nossos esforços para livrar o mundo de um vício mortal.
A princípio, o saldo está totalmente ao nosso favor. Em um mundo perfeitamente saudável, razoável e racional, a um nível de campo de batalha, a comunidade antitabagismo iria certamente falar com a voz mais alta e carregar o maior bastão. Evidências sobre danos físicos e custos econômicos sobre o consumo de cigarros continua crescendo e estou certa que esta conferência vai aumentar ainda mais as evidências. O fumo é considerado o primeiro fator mundial em mortes evitáveis. Nós sabemos disso estatisticamente, sem sombras de dúvida. Num mundo conturbado com crescentes crises econômicas, superpopulação, aumento das doenças crônicas, custos de saúde elevados, combater uma enorme e totalmente prevenível causa de doenças e mortes passa a ser o mais urgente. Nós sabemos os efeitos diretos que o uso do tabaco faz ao seu consumidor de diversas maneiras.
Nós sabemos que os produtos de tabaco matam seus consumidores. Nós sabemos que fumar é como uma bala perdida, que mata inocentes passantes que são obrigados a respirar o ar contaminado com centenas de gases tóxicos. Nós sabemos que a exposição ao fumo durante a gravidez faz do feto outra vítima inocente, indefesa e impotente. Nós sabemos que fumar não é uma opção. É um vício poderoso. A verdadeira opção é entre o tabagismo ou a saúde. Nós temos evidências, nós temos dados.
Como uma ferramenta para o contra-ataque, nós temos a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da OMS, que conta com o comprometimento de 174 países em implementar os artigos e obrigações do tratado. Estas partes são responsáveis por aproximadamente 90% da população mundial de sete bilhões de pessoas. Se a segurança contra o tabagismo depende de números, nós os temos. Mas nós também sabemos que a implementação segue tímida, por várias razões, em vários países. Nós temos consciência desse problema também. Nós temos uma forma prática, custo-efetiva para por em escala a implementação das previsões do tratado em ação. Essa é a maneira mais eficaz de inserir as medidas de redução do tabagismo dentro do conjunto de medidas do MPOWER.
Nós temos um grande número de experiências internacionais bem sucedidas que mostram a efetividade destas medidas. As evidências também comprovam como essas medidas podem ter um impacto de valor agregado. Por exemplo, em um estudo publicado este ano, pesquisadores demonstraram que a política de ambientes de trabalho livres de fumo também reduziram o fumo em residências. Estes achados combatem a propaganda patrocinada pela indústria. Apenas a duas semanas atrás, outro grande estudo, envolvendo mais de 700 mil pesquisados descobriu que medidas contra o cigarro tiveram expressivos benefícios à saúde dos fetos. Isto prova que tanto para mulheres fumantes como mulheres não-fumantes, que nunca fizeram uso do cigarro, também estavam expostas aos efeitos do tabagismo passivo.
E nós temos um inimigo, cruel e diabólico, que faz nos unirmos e dar partida num impetuoso compromisso de prevenção. Infelizmente, é neste ponto onde a balança não pesa tão forte ao nosso favor. O inimigo, a indústria do tabaco, tem mudado de cara e suas estratégias. O lobo não está mais vestindo a pele de ovelha e seus dentes estão à mostra. As estratégias focadas em enfraquecer campanhas antitabagismo e subverter a CQCT, não estão mais cobertas ou disfarçadas sob a imagem da responsabilidade social.
As estratégias estão abertas e são extremamente agressivas. Ações judiciais de alto nível estão atingindo o Uruguai, Noruega, Australia e Turquia, e deliberadamente elaboradas para instalar o medo nos países que pretendem introduzir medidas similares de controle do tabagismo. O que a indústria quer é um efeito dominó. Quando um país hesita sob a pressão de um grandioso e prolongado processo que envolve decisões de bilhões de dólares, fica sujeito ao mesmo tipo das assustadoras e agressivas táticas da indústria.
É difícil para qualquer país carregar este peso financeiro deste tipo de processos judiciais, e, ainda a maioria acontecem em países tão pequenos como o Uruguai. Essa não é uma situação sã, ou razoável, ou racional em sentido algum. Não está no nível do campo de batalha. A indústria do tabaco pode arcar em contratar os melhores advogados e empresas de relações públicas que o dinheiro pode comprar. Grandes quantias de dinheiro podem falar mais alto que qualquer argumento moral ou ético de saúde pública e pode esmagar mesmo a mais contundente evidência científica. Nós já vimos isso acontecer antes.
É horrível pensar que uma indústria conhecida pelos seus truques sujos pudesse ter o trunfo de claramente se intrometer no que é evidentemente do interesse da saúde pública.
E há outras táticas, algumas novas e outras velhas guimbas em novos cinzeiros. Em alguns países, a indústria do tabaco está forçando a criação de comitês entre o governo e a indústria para derrubar ou esconder todas as medidas e legislações pertencentes ao controle do tabagismo. Não caiam nesta armadilha. Fazer isso é como criar um comitê de raposas para cuidar das suas galinhas. Mais e mais, pesquisas estão descobrindo a mão da indústria em ações jurídicas lançadas contra medidas de controle do tabagismo.
Comprar pessoas para usar o sistema judicial de um país para desafiar a legalidade das medidas que protegem a população é um flagrante abuso do sistema judicial e uma afronta ao poder supremo. Essa é uma interferência direta nas obrigações de um país.
Membros da sociedade civil, nós precisamos de vocês, mais agora do que nunca. A experiência tem mostrado que,quando políticas de governo hesitam ou enfraquecem perante a pressão da indústria, coalizões da sociedade civil podem assumir o comando e dar a direção. Nós precisamos deste tipo de protesto, deste tipo de agressividade. Moldar a opinião pública é vital. Se leis fortes de tabagismo ganharem adeptos, legisladores se voltarão a elas e lutarão contra a indústria.
Ano passado, durante a reunião de alto nível da União Européia sobre as doenças crônicas não-transmissíveis os países adotaram uma declaração política. Para reduzir os fatores de risco e criar espaços de promoção da saúde, governantes concordaram com a necessidade de acelerar a implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. Eles reconheceram que reduzir substancialmente o consumo de tabaco contribui para reduzir as doenças crônicas não-transmissíveis e tem benefícios consideráveis tanto para indivíduos como para os países.
Eles também reconheceram o fundamental conflito de interesse existente entre a indústria do tabaco e a saúde pública. Em meu discurso na reunião, eu lembrei aos participantes que a completa implementação da CQCT vai proporcionar o decisivo e maior golpe nas doenças cardíacas, câncer, diabete e doenças respiratórias. Eu convidei os dirigentes governamentais para lutar arduamente contra os esforços mesquinhos da indústria do tabaco para subverter este tratado.
Senhoras e senhores, eu tenho um comentário final. Eu vim de uma cultura que mostra respeito aos mais velhos. Então me deixem dizer que algumas pessoas mais velhas neste encontro devem se lembrar da campanha de marketing do cigarro Virginia Slims direcionada às mulheres jovens. Essa campanha visa fisgar meninas e mulheres jovens mostrando o ato de fumar como um ato de emancipação e liberdade. Este slogan era memorável “Você veio de um longo caminho, garota.”
Me deixem fazer ao contrário, criando minha própria campanha pessoal para a indústria do tabaco. “Nós viemos de um longo caminho, queridos adversários. Nós não vamos nos intimidar com suas ameaças. Seu produto mata cerca de seis milhões de pessoas a cada ano. Você comanda uma indústria mortífera e assustadora, mas não em uma caixa à prova de ataques. Indústria do tabaco: o número e a força dos seus inimigos da saúde pública vai prejudicar sua saúde.”
Senhoras e senhores, eu sinceramente espero que esta conferência, incluindo o painel ministerial de contra-ataque à interferência da indústria, ganhe a dianteira da situação totalmente ao nosso favor. Esta conferência é nosso evento divisor de águas. Eu sinceramente espero que este encontro promova prejuízos à saúde de uma indústria que agressivamente vende um vício destruidor da saúde. Nós podemos, nós devemos parar a contribuição massiva da indústria para a doença e morte, deixada no seu rastro. Eu desejo a vocês um evento muito produtivo. Obrigada.

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