Uma questão de visão

Mulher lê rótulo com lupa

Texto por Mariana Claudino (@nutrimariclaudino)

Pense na seguinte cena: aquele supermercado lotado de gente, com filas e mais filas no caixa e pessoas pelos corredores desviando umas das outras com seus carrinhos de compras. Agora imagine que, na hora da dúvida ou da dificuldade em ler os rótulos dos produtos que estão nas prateleiras, os clientes tenham que dividir apenas uma lupa (sim, aquelas lentes de aumento e sim, apenas UMA lupa para todos) para desvendar as tais letrinhas das listas de ingredientes e afins. Pois bem: é esse o cenário que se apresenta na cidade do Rio de Janeiro. Desde o dia 16, quando a Lei 6.657, que trata do assunto, foi sancionada pelo prefeito Marcelo Crivella e publicada no Diário Oficial do Município, supermercados, hipermercados e estabelecimentos do tipo estão obrigados a fornecer instrumentos como lupas para a verificação dos rótulos dos produtos comercializados nesses pontos.

Há muitas ironias nesta lei: uma delas é que justamente quem a criou talvez não esteja enxergando bem a situação. E, por não estar enxergando, precisa de lupa? Não, que nada… Precisa é entender que essa iniciativa de colocar lupas em mercados não vai ajudar a resolver o real problema que temos no Brasil:  uma rotulagem de alimentos muito pouco clara e pouco informativa. Não precisamos de lupa; precisamos de rótulos mais acessíveis.

Ainda sobre lupas e rótulos, outra ironia curiosa: estamos no meio do processo da consulta pública sobre a rotulagem de alimentos, aberta pela Anvisa em seu site no último dia 23 e que vai até 6 de novembro. Enquanto a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável defende o alerta dos triângulos, a Anvisa apresenta um modelo de classificação com o design da… lupa. De novo: não precisamos de lupa, nem nos rótulos nem fora deles. Precisamos de triângulos na frente dos alimentos, seguindo o modelo bem-sucedido dos octógonos que já existe no Chile desde 2016.

Em vez de propor uma lei estranha para que a população tenha que desvendar os mistérios dos rótulos, seria mais interessante que a prefeitura do Rio de Janeiro defendesse outras medidas realmente efetivas para apoiar escolhas mais saudáveis. Entre elas, a proibição de refrigerantes em ambientes institucionais (há um projeto de lei esperando 12 anos por uma votação!) e, ainda, a tributação de bebidas açucaradas dos produtos fabricados na Zona Franca de Manaus.

Daí a gente pergunta: é o consumidor que precisa ir atrás da informação, se esforçar para ler, com tantas propostas em voga? Não, são os rótulos que devem trazer as informações necessárias. Nada de lupa!  É uma questão de visão.

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