Devemos priorizar a saúde, e não os lucros

Por Paula Johns, cofundadora e diretora da ACT Promoção da Saúde

O relatório internacional sobre rotulagem frontal de advertências do World Cancer Research Fund (WCRF) fornece uma excelente visão geral das complexidades referentes à base de evidências que apoiam a rotulagem frontal e das dificuldades de obter conclusões em um cenário em que há muitos estudos experimentais, mas faltam dados provenientes de situações reais.

Isso nos coloca à frente com uma importante questão: que tipo e qual a quantidade de evidências que precisaremos produzir para mostrar que a rotulagem frontal é imperativa no contexto atual, em que a obesidade aumenta de maneira alarmante?

O que realmente funciona?

Pelo que tenho visto em campo (situações reais) como ativista e em evidências publicadas, a rotulagem de advertências do Chile é, atualmente, o melhor modelo existente para informar os consumidores sobre nutrientes críticos em produtos industrializados.

Por isso, precisamos analisar o contexto político para entender por que outros países não estão indo pelo mesmo caminho e adotando um modelo obrigatório de rotulagem de advertências. Se as empresas não querem ser parte da solução, essa é, de longe, a maneira mais efetiva de fazê-las reformular seus produtos e torná-los mais saudáveis. Isso também ajudaria a nivelar as condições para empresas que querem melhorar.

E, o que é mais importante, precisamos nos perguntar qual será o custo de não testarmos um modelo inovador como a rotulagem frontal de advertência. Diariamente, pessoas morrem devido à alimentação inadequada; o design e o algoritmo ou os limites do perfil nutricional não precisam ser perfeitos. O que é necessário é que os países testem o que funciona, para que tenhamos mais evidências provenientes de situações reais. A Austrália nunca teria adotado as embalagens padronizadas de cigarro se não houvesse vontade política para testar essa medida em específico, que era inédita. No caso da rotulagem frontal de advertências, eu gostaria que o resto do mundo olhasse para o Chile da mesma forma em que olhamos e apoiamos a Austrália com relação às embalagens padronizadas, ou o Canadá quando começamos a testar advertências sanitárias com imagens em maços de cigarro.


Saúde, e não lucros

Se nós, como sociedade, coletivamente priorizarmos a saúde, e não os lucros comerciais, devemos nos perguntar o seguinte: implementar uma política que obriga as empresas a informar os consumidores sobre o que tem em seus produtos causaria algum prejuízo à saúde da população? Porque a evidência é clara: produtos ultraprocessados estão contribuindo para a obesidade infantil e para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Assim como o tabagismo, temos uma epidemia de obesidade em
escala global. Evidências mostram que a transição de alimentos naturais para ultraprocessados é um elemento fundamental dessa equação. Além disso, assim como a indústria do tabaco, empresas de alimentos ultraprocessados usam estratégias de “Atrasar, Dividir, Desviar e Negar” para evitar políticas que impactem seus modelos comerciais. Isso é parte do jogo que permite que as empresas lucrem sem ter que lidar com as externalidades de seus negócios, inclusive as consequências para o ambiente e a saúde.


Uma abordagem abrangente para um problema complexo

Para resolver um problema complexo como a qualidade da alimentação em nível populacional, é preciso ter uma abordagem abrangente, que inclua um conjunto de políticas. Nenhuma medida será suficiente por si só para reverter as tendências de sobrepeso, obesidade e DCNTs associadas à alimentação. A rotulagem frontal de advertências deve ser parte fundamental dessa abordagem, e os países deveriam seguir o exemplo do Chile e implementar esse modelo inovador e eficaz. Devemos aprender com a luta que travamos com a indústria do tabaco e celebrar o desenvolvimento de políticas inovadoras que enfrentem as estratégias usadas pela indústria. Ao seguirmos países inovadores como o Chile, contribuímos para a aquisição de evidências provenientes de situações reais e ajudamos outros países onde o contexto político não seja favorável ou que estejam batalhando contra a interferência da indústria.

● Leia o novo relatório da WCRF, da série Building Momentum, sobre rotulagem de advertência frontal.

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